HOJE NO
"PÚBLICO"
Rui Machete presidiu a comissão de inquérito que ilibou Oliveira Costa de fraude fiscal
O actual ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, ouvido na
comissão de inquérito à nacionalização do BPN, em 2009, garantiu que
tinha pouca informação sobre o que se passava no grupo, apesar de ser
presidente do conselho consultivo.
No início dos anos noventa o actual ministro de Estado e dos Negócios
Estrangeiros, Rui Machete, presidiu à comissão parlamentar de inquérito
aos alegados perdões fiscais concedidos pelo ex-secretário de Estado de
um Governo do PSD e, mais tarde, presidente do BPN, Oliveira Costa, a
empresas do centro do país, nomeadamente, à Cerâmica Campos. No
relatório final, os deputados ilibaram Oliveira Costa, que é hoje o
principal arguido do caso BPN (onde o Estado já injectou cerca de 4 mil
milhões de euros), de qualquer “actividade discriminatória culposa
imputável”.
A nomeação de Rui Machete
para ministro de Estado e chefe da diplomacia portuguesa surpreendeu os
meios políticos e suscitou críticas à esquerda pela sua relação com o
BPN. “No momento em que as fraudes do BPN e da SLN pesam tanto nas
contas públicas e no bolso de cada contribuinte, julgo tratar-se de uma
escolha de muito mau gosto”, afirmou o deputado João Semedo do Bloco de
Esquerda. O ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu após ter sido
empossado. “Isso denota uma certa podridão dos hábitos políticos”,
criticou, assegurando estar “de consciência tranquila há muitos anos.”
Em
Junho de 1991 a imprensa noticiava que o então presidente do conselho
de administração da Cerâmica Campos, Mota Figueiredo, tinha ido a São
Bento garantir à comissão parlamentar de inquérito que o despacho de
Oliveira Costa constituía um perdão de dívida fiscal de 2,5 milhões de
euros (500 mil contos) para que a Celulose do Caima fosse comprada pela
Caima. E informou que a operação tinha ficado “combinada” numa reunião
realizada a 3 de Maio de 1990, na Secretaria de Estado dos Assuntos
Fiscais, na presença de Oliveira Costa, de Mota Figueiredo, de Robin J.
Edmeades, da Caima, assim como do delegado da Ernst & Young (Albino
Jacinto) e da empresa que fez a avaliação da Campos, a Deco (Helen de
Castro). Uma versão que coincidiu com a que o então administrador da
Celulose do Caima, Richard Howson, deu aos mesmos deputados. Freitas do
Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa emitiram mesmo dois pareceres jurídicos
onde apontaram para o carácter “executório e definitivo” do despacho de
Oliveira Costa.
Mas a comissão de inquérito parlamentar,
presidida pelo então deputado social-democrata Rui Machete, ilibou
Oliveira Costa de quaisquer ilicitudes, ainda que considere o seu
despacho, de 21 de Maio de 1990, que perdoa à Cerâmica Campos as multas e
os juros fiscais compensatórios, “pouco claro e fundamentado”. O PS e o
PCP não concordaram com a maioria parlamentar, centrada no PSD, e
votaram contra.
Oito anos depois de ter sido ilibado pelos
deputados, e após ter passado pelo Finibanco, como presidente, Oliveira
Costa ascendia à liderança do BPN/SLN, autorizado a exercer as funções
pelo Banco de Portugal. E iniciou um novo ciclo marcado por uma
estratégia de negócio generosa que se destacava no mercado por remunerar
os depósitos acima dos dois dígitos, quando a prática então mais comum
se ficava pelos 3%. E expandiu um modelo empresarial complexo e opaco,
centrado na figura do presidente executivo, a quem cabia articular as
relações do grupo com os investidores, pequenas e médias empresas, e os
órgãos sociais.
Foi neste contexto que dois anos depois, Machete
assumiu funções na SLN/BPN, onde chegou a presidente do conselho
superior (CS), uma estrutura não executiva e onde tinham assento os
grandes accionistas. Um período que coincidiu também com várias
polémicas, tornadas públicas à volta do crescimento meteórico da
SLN/BPN. Ainda que muitos membros da SLN/BPN (nomeadamente no CS) tenham
sido colocados à margem dos esquemas que contribuíram para a gigantesca
burla. Aliás, Machete ouvido na comissão de inquérito ao BPN garantiu
que tinha pouca informação sobre o que se passava no grupo e que ao CS
chegavam dados escassos.
Na sua carta de renúncia a este órgão
consultivo, datada de 7 de Janeiro de 2009, cerca de dois meses depois
da nacionalização do BPN (o principal activo da SLN), o actual ministro
de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Passos Coelho justificava a sua
presença no grupo de Oliveira Costa com o facto de a Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) “ter adquirido 2.267.000
acções do BPN em Dezembro de 2000, acções que veio posteriormente a
vender em alienações sucessivas, sendo a última em 2 de Março de 2007”.
Nessa altura, a instituição criada com capitais americanos deixou “em
definitivo” de ser accionista do banco.
Machete explicou, ainda,
que se manteve no CS após 2007, porque os restantes membros “insistiram
para que continuasse” dado “que a sua presença poderia ter utilidade
para o esclarecimento do funcionamento do BPN e da SLN”. Com a
nacionalização do BPN a existência do conselho superior na SLN perdeu
sentido. Mas para além do investimento realizado pela FLAD, Machete terá
igualmente comprado, a título pessoal, entre 2001 e 2005, cerca de
25.496 acções da SLN. Os títulos seriam depois vendidos, em 2006 e 2007,
à FLAD, a que presidia (funções que exerceu entre 1985 e 2010). Esta
informação foi revelada esta quinta-feira pelo Correio da Manhã.
O
PÚBLICO tentou, hoje, ao final da manhã, por correio electrónico,
confirmar a notícia junto de Rui Machete. No mesmo email, procurou saber
qual o ganho obtido pessoalmente com a transacção e se a considerava
compatível com as funções que então exercia na FLAD. Até às 21h o
ministro não prestou quaisquer esclarecimentos.
A designação "PALHAÇO MAFIOSO" não é da nossa autoria, anteciparam-se...
INFORMAÇÃO ADICIONAL
É um retrato arrasador e um desentendimento antigo.
Sucessivos embaixadores americanos em Lisboa acusam Rui Machete,
ex-presidente da Fundação Luso-Americana (FLAD), de má gestão e
aproveitamento pessoal do cargo e consideram que ele deve sair.
"Chegou a hora de decapitar Machete", escreve o
embaixador Thomas Stephenson em 2008, que propunha "lançar uma nova
campanha para mudar a direcção da FLAD". Em 1992, um outro diplomata,
Everett Briggs, já referia que "enquanto Machete estiver lá, só
marginalmente a FLAD nos pode ser útil".
É num extenso telegrama datado de 15 de dezembro de
2008 ("Problemas na Fundação Luso-Americana"), que o primeiro daqueles
embaixadores traça um retrato impiedoso de Machete, ao ponto de sugerir
ao seu Governo que reconsidere a sua participação na instituição.
O diplomata afirma que Rui Machete "obteve o cargo como
prémio de consolação depois de ter perdido o lugar de ministro numa
mudança de Governo em 1985" e que "tem sido há muito um crítico dos EUA,
que sempre resistiu à intervenção da embaixada". Sem contemplações,
afirma que "tem ligações nos dois maiores partidos", sendo "suspeito de
atribuir bolsas para pagar favores políticos e manter a sua sinecura".
Machete sempre se opôs a uma supervisão independente, prestação de
contas profissional e uma revisão transparente dos programas da
instituição, acusa.
Stephenson relata que, em 1992, as despesas de
funcionamento da FLAD eram de 60% dos seus rendimentos e apenas 40% se
destinavam à programação. "Hoje", escreve, "este número é um pouco
melhor, mas a FLAD continua a gastar 46% do seu orçamento de
funcionamento nos seus gabinetes luxuosos decorados com peças de arte,
pessoal supérfluo, uma frota de BMW com motorista e 'custos
administrativos e de pessoal' que incluem por vezes despesas de
representação em roupas, empréstimos a baixos juros para os
trabalhadores e honorários para o pessoal que participa nos próprios
programas da FLAD".
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