Pós da troika
Repitamos o exercício já ensaiado há uns
três anos: ir ao futuro ou, como agora se diz, ao pós-troika.
Projectando o presente, chegaremos a essa fase em que, teoricamente,
passaríamos a financiar-nos no mercado, com uma dívida pública colossal,
as famílias angustiadas, as empresas exangues e um país dividido. Não
são boas as perspectivas. Vamos admitir, os economistas são bons nisso,
que, ainda assim, se intuiria o prenúncio de uma saída para esta crise.
Quando? Como? Sozinhos? São perguntas de resposta difícil. No que toca
ao "quando", o melhor é admitir que o caminho se faz caminhando. O
"como" resulta de readquirirmos potencial de crescimento, subsistindo um
novo "mas como?", a pergunta do milhão de euros. Apenas o "sozinhos"
tem uma reposta óbvia: não. Devemos muito e pagamos caro por isso. A
OCDE estima que as reformas estruturais aumentam o potencial de
crescimento em 3,5%. Não chega. Se não nos quisermos quedar, para
sempre, numa apagada e vil tristeza, a ganhar para apenas pagar os juros
da dívida pública acumulada, temos de renegociar (juros, prazos), de
ter sorte (um pouco mais de inflação, um prémio) e de a procurar na
frente europeia, com um activismo que confronte os nossos parceiros
europeus com a insustentabilidade da situação. A renegociação é tanto
mais inevitável quanto mais diminua a base social de apoio à continuação
das reformas, a não ser que, para os burocratas europeus, a democracia
não seja um valor absoluto. A complacência com a situação na Hungria não
é, a esse propósito, um bom augúrio.
No meio disto tudo, é
preciso manter o norte, perceber o essencial: só sairemos deste
colete-de-forças gerando recursos líquidos sobre o exterior, diminuindo a
nossa posição devedora, minorando a dependência. Esse é o enunciado.
Aumentar as exportações, diminuir e substituir importações, conter a
dívida pública e privada. Não se sabe bem como se faz e, sobretudo, como
se faz minorando o respectivo custo social, ele próprio um escolho na
progressão da consolidação orçamental, uma parte crítica da solução.
Houve (há?), em tudo isto, uma grande dose de experimentalismo, talvez
inevitável, que condicionou a consistência de uma estratégia de médio
prazo que nunca passou para além do chavão das reformas estruturais.
Pelo contrário, o curto prazo e o imediatismo prevalecem, os ziguezagues
sucedem-se, as contradições acumulam-se. O défice é um, depois é outro
e, por fim (?), um terceiro. Não há margem para baixar o IRC, afinal
talvez haja e, por fim (?), é o grande instrumento que abre a era do
investimento. Só que não é fácil recuperar o investimento quando o
Governo se tornou, ele próprio, um factor de instabilidade e incerteza.
Assim se perde tempo e dinheiro e, pior, a credibilidade.
As
sondagens não mentem: os erros têm sido tantos, a incapacidade de
explicar as opções tão grande, que o populismo das soluções fáceis e
milagrosas e da inércia está a fazer o seu caminho. Como se fosse
possível. Que não restem dúvidas: a consolidação orçamental, em
patamares ainda exigentes mas alcançáveis, é parte indissociável da
solução.
Será o Governo, na sua actual configuração, capaz de
conduzir o país nesta recta final até o pós-troika? Duvido. O episódio
com a SRU do Porto é paradigmático. A reabilitação urbana é uma das
poucas políticas cujos méritos são consensuais, mesmo que as vias a
prosseguir difiram. Por incompetência, ou por prepotência, a ministra
Assunção Cristas hostilizou uma cidade e, de caminho, evidenciou uma
incapacidade política confrangedora. Se se prestou a ser a face de quem
se esconde atrás do arbusto, como diria Sócrates e como a carta de
Menezes parece indiciar, tanto pior. Na linha da desorientação
estratégica que tem prevalecido, é provável que o executivo venha a
arrepiar caminho, pagando o que deve. Pelo meio, admitamos, prestou um
serviço inestimável à cidade, motivando uma convergência nunca antes
alcançada. Se tudo não se esgotar nesta circunstância, Cristas merecerá,
afinal, a medalha da cidade.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/05/13
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