Ponha em inglês que é melhor
Eu bem me esforço, mas nunca mais aprendo. Sou
um trengo. Se calhar o melhor que tenho a fazer é escrever 100 vezes a
frase seguinte: não se deve ajudar a atravessar a rua uma velhinha se
não tivermos a certeza absoluta de que ela quer mesmo ir para o outro
lado da rua.
Aviso que estou a falar no sentido figurado, porque
no literal são muito raras as velhinhas que precisam de ajuda para
atravessar a rua. As mais educadas e conscienciosas só atravessam no
semáforo e quando está verde. As outras inventam em seu benefício
passadeiras imaginárias e atravessam as ruas devagarinho, onde e quando
lhes apetece, como se fossem rainhas, obrigando o trânsito a parar à sua
passagem.
Vem esta evocação da minha recorrente queda para ajudar
a atravessar a rua velhinhas, que preferem ficar paradas onde estão, a
propósito de um diálogo que ouvi quarta-feira, por volta da hora do
almoço, no balcão da Sicily by car, no n.º 100 do Borgognissanti, em
Florença, onde fui levantar um Fiat Panda (acabei por trazer um Nissan
Micra, mas isso já é outra história) para dar uma volta pela região do
Chianti e visitar Siena - uma cidade deslumbrante que recomendo
vivamente.
Para matar o tempo enquanto esperava, fui coscuvilhando
o negócio entre o Gabriel (o empregado da rent a car) e os clientes, um
casal de brasileiros de meia idade e classe média, munido de uma
Samsonite XXL e da vontade de alugar um carro que uns dias depois (não
me apercebi quantos) seria entregue em Milão Malpensa.
O primeiro
preço dado pelo Gabriel foi 410 euros e o negócio acabou por ser fechado
nos 600 (seguros e GPS incluídos) após uma conversa que, para meu
desespero, parecia que nunca mais iria acabar, feita num inglês
eficiente, apesar de rudimentar.
Não deixa de ser curioso que
pessoas cujas línguas-mãe têm a mesma origem tenham de recorrer a uma
língua estranha para se entenderem - tudo isto por culpa da queda do
Império Romano, digo eu, mas isso já é história.
"A 300 metros,
entre na rotunda e saia na 3.ª saída", aconselhou, em português (de
Portugal), o GPS, quando o empregado da Sicily by car demonstrava o seu
funcionamento. Os brasileiros não apreciaram a gentileza do Gabriel de
sintonizar o GPS em português de Portugal. Pediram-lhe logo para o pôr a
falar em inglês, pois assim entendiam melhor. A história acabou bem,
porque o italiano percebeu à primeira a questão - e selecionou a opção
de português (do Brasil).
Até aplaudo a queda do p antes do t
(batizado é melhor que baptizado). Mas não acho grande graça à confusão
gerada pelo desaparecimento do acento em pára. Não tenho opinião formada
e definitiva sobre o Acordo Ortográfico. Mas depois de ouvir o casal de
brasileiros a pedir para pôr o GPS a falar em inglês fiquei com a
sensação de que muito provavelmente estamos a ajudar a atravessar a rua
uma velhinha que quer ficar parada no sítio onde está.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
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