Com ou sem factura?
A exigência de factura nas transacções comerciais parece-me uma medida
fundamental para garantir a saúde financeira do país. Passei a vida
inteira a ter de responder à sinuosa perguntazinha: «Quer o preço com ou
sem factura?». A dispensa de factura significava um ‘desconto’ capitoso
em relação ao preço ‘legalizado’.
Enquanto a vida comercial decorria
nesta marmelada paralela, os trabalhadores independentes eram obrigados
a passar recibo de todos os seus lavores e a declarar escrupulosamente
tudo o que ganhavam.
Em princípio, os trabalhadores por conta de
outrem também – mas abundavam as empresas, públicas e privadas, em que o
salário real era uma ficção pobrezinha, complementada por senhas disto e
daquilo, e horas extraordinárias mais vastas do que os próprios dias,
que não descontavam para os impostos nem para a segurança social.
Ora
sem impostos não há Estado Social. E a verdadezinha última é que
ninguém, por mais liberal que seja, encara a vida sem um mínimo de
Estado Social: saúde, educação, assistência social. Até porque já está
provado que, sem estes condimentos, a existência fica muito perigosa. A
miséria cria insegurança.
As pequenas empresas e as profissões
liberais vêem-se aflitas para cobrar a quem lhes deve, depois de
emitirem as facturas e de pagarem o correspondente IVA.
Quem se
atrasar um dia a pagar o imposto leva com os juros; já o Estado pode
pagar quando muito bem lhe apetecer sem indemnizar ninguém. E continua a
ser assim.
Ainda há dias me contava um empresário transformado
de pequeno em micro, desesperado, que passa semanas de tesouraria em
tesouraria a ouvir a mesma desabusada resposta: «não há previsão de data
para o pagamento».
E um advogado dizia-me que não sabe o que
mais fazer para que os clientes lhe paguem. «Talvez processá-los» –
aventei eu, cândida. Tornou-me o causídico, suspirando: «Não adianta,
porque eles aprenderam comigo os truques para adiar indefinidamente a
resolução dos processos…».
A obrigatoriedade de factura arrasta
consigo a responsabilização. Não se trata, como apressada e
complexadamente tem sido dito, de tornar os clientes ‘bufos’ do Estado,
mas de passarmos a um regime de realidade que torne possível a ideia de
justiça económica.
Trata-se também, em última análise, de
sabermos onde gastamos o quê, e de ficarmos certos de que todos
contribuímos na mesma medida. Sem reciprocidade não há relação
individual nem social.
A moralização das facturas é a primeira
medida de reforma estrutural que vejo neste Governo – a única que não
consiste em cortes e sacrifícios extremos para os mesmos e eternos
mártires, ou em compassos de espera ruidosamente deficitários (RTP, TAP,
BPN, etc).
Tudo se paga. Todos temos de pagar a nossa parte. É simples e justo. Portugal precisa muito de simplicidade e justiça.
IN "SOL"
26/02/13
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