02/02/2013

ZHANG MONAN




Os limites da revolução 
           do consumo na China

 A economia chinesa está numa encruzilhada. Neste início de 2013, os observadores nacionais e estrangeiros perguntam-se que caminho de desenvolvimento económico deve o país seguir na próxima década.

Como é que a China pode garantir um crescimento sustentável e estável, perante os importantes desafios internos e externos, incluindo a desaceleração do crescimento a médio e longo prazo, os custos de trabalho crescentes e uma pressão inflacionária cada vez maior?

Depois de a crise económica global ter debilitado a procura externa, que sustentou o crescimento sem precedentes da China durante três décadas, as autoridades acordaram que a procura interna, especialmente o consumo doméstico, deve converter-se no novo motor de crescimento do país. No congresso do Partido Comunista chinês de Novembro, os líderes da China manifestaram a sua intenção de duplicar o rendimento per capita em 2020, gerando 64 biliões de renminbis (10,2 biliões de dólares) de poder de compra.

Na verdade, com cerca de 130 milhões de consumidores da classe média, o mercado doméstico da China tem um potencial significativo. O Boston Consulting Group estima que, com uma taxa média de crescimento anual do PIB de 7% na China, e de 2% nos Estados Unidos, o consumo doméstico chinês para metade do dos Estados Unidos em 2015, e para 80% em 2020 (assumindo que o renminbi aprecia a uma taxa média de 3% em relação ao dólar dos Estados Unidos ao longo dos próximos anos).

Além disso, o superávit em conta corrente caiu de mais de 10% do PIB em 2007 para 2,8% em 2011, refletindo a dependência cada vez menor da China em relação às exportações para impulsionar o crescimento económico. Em 2010, as importações da China foram as segundas mais importantes do mundo, e espera-se que cresçam a uma taxa média anual de 27% em 2011-2015, superando o crescimento das exportações em cinco pontos percentuais. Como resultado, calcula-se que o valor total das importações deverá ultrapassar os 10 biliões de dólares em apenas dois anos, oferecendo oportunidades de investimento lucrativas e mercados mais amplos para os investidores estrangeiros.

Este potencial não se esgota nas empresas multinacionais. Uma pesquisa realizada em Maio de 2012 pelo Centro de investigação para o Desenvolvimento do Conselho de Estado da China inquiriu 394 empresas chinesas e estrangeiras acerca da sua orientação estratégica futura na China. Em termos gerais, os participantes viam a China não só como uma oportunidade de mercado, uma base de investigação e desenvolvimento e uma base de exportações, mas também como uma base industrial de alto nível e uma base de serviços. Os resultados também reflectiram a atractividade decrescente da China como uma base de montagem de produto, produção de baixo custo, e produção de peças.

De facto, apesar de os Estados Unidos e outros países procurarem trazer a produção industrial para casa (“reshoring”), foram estabelecendo centros de inovação na China. As empresas multinacionais criaram cerca de mil centros de investigação e desenvolvimento na China, incluindo 194 apenas em 2012, permitindo-lhes desenvolver produtos para o mercado local. Hoje, operam na China mais de 1400 instituições de investigação com financiamento estrangeiro, e os dados do Ministério do Comércio da China indicam que 480 das 500 empresas mais importantes do mundo criaram filiais locais.
Contudo, a China não pode depender do consumo interno como único motor de crescimento. A história tem mostrado que um modelo de desenvolvimento unidimensional não pode assegurar uma competitividade sustentável, da mesma forma que um só mercado não pode sustentar a procura global. Neste sentido, a China deve continuar a desenvolver o seu sector industrial.

A China é o principal país industrial do mundo por produção. Mas, ao mesmo tempo que representa 19,8% do total da produção industrial em termos globais, recebe menos de 3% do investimento em investigação e desenvolvimento industrial do mundo. Como resultado, a capacidade de inovação da China permanece relativamente baixa, e as suas indústrias de alta tecnologia que requerem um elevado nível de conhecimento são incapazes de competir globalmente.

Em média, as empresas industriais da China são relativamente pequenas e, embora a produtividade da sua mão-de-obra industrial (valor agregado real da produção por empregado) tenha melhorado ao longo da última década, continua a ser muito menor do que a de países desenvolvidos - apenas 4,4% da produtividade dos Estados Unidos e do Japão, e 5,6% da produtividade da Alemanha. E o fenómeno da "pauperização" - em que as empresas devem ajustar as suas estratégias comerciais para lidar com uma base de consumidores empobrecidos - está a afectar cada vez mais as indústrias tradicionais, minando ainda mais a capacidade da China de alcançar um desenvolvimento sustentável.

Além disso, a qualidade dos produtos manufaturados chineses continua a ficar atrás da de bens manufaturados nos países desenvolvidos. Enquanto uma unidade de entrada intermédia nos países desenvolvidos normalmente gera uma unidade ou mais de valor agregado, na China, a proporção é de apenas 0,56.

À medida que desaparece o “dividendo demográfico” da China, o seu mercado de mão-de-obra barata está a encolher, elevando assim os custos do trabalho outrora baixíssimos, e reduzindo a sua taxa de retorno sobre o capital. Nos próximos dez anos, com os trabalhadores a exigirem salários mais altos, benefícios básicos e melhores condições de trabalho, o país pode muito bem perder a vantagem comparativa que tem impulsionado o seu auge industrial.

Embora os salários do sector industrial continuem a ser significativamente mais baixos na China do que nos Estados Unidos, a diferença está a estreitar-se rapidamente, e isso alimenta o retorno das indústrias aos Estados Unidos. Considerando que os salários chineses estão a subir a uma taxa anual de 15-20%, espera-se que as taxas salariais ajustadas à produtividade nos estados norte-americanos de baixos custos excedam as de algumas regiões costeiras da China em apenas 40%, em 2015. Se a isto se somar os custos reduzidos da energia nos Estados Unidos, devido à revolução de gás de xisto do país, e a complexidade da cadeia de fornecimento global, as vantagens de custo da China serão, em breve, insignificantes.

Ao mesmo tempo, outras economias emergentes – incluindo o Vietname, a Índia, o México e os países do leste europeu – estão a disputar a posição da China como a fábrica do mundo. Estas alternativas de baixo custo estão a converter-se rapidamente nos destinos preferidos dos investidores dos países desenvolvidos.

Ainda que o enorme potencial do mercado de consumo da China possa oferecer um novo impulse ao crescimento económico, a transformação económica do país não pode ser bem-sucedida sem a melhoria do sector industrial. Os líderes da China devem começar por aumentar o investimento em ciência e tecnologia, concentrando esforços na criação de avanços tecnológicos importantes para a produção de maior valor agregado. Só com a combinação de mais consumo interno e uma produção industrial melhorada é que o país poderá desenvolver uma nova vantagem comparativa, que é fundamental para o crescimento sustentável na próxima década.

Membro do Centro de Informação da China e da Fundação de Estudos Internacionais da China, e investigadora na Plataforma de Pesquisa Macroeconómica da China. 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/01/13


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