Os limites da revolução
do consumo na China
A economia chinesa está numa encruzilhada. Neste início de 2013, os
observadores nacionais e estrangeiros perguntam-se que caminho de
desenvolvimento económico deve o país seguir na próxima década.
Como é que a China pode garantir um crescimento sustentável e
estável, perante os importantes desafios internos e externos, incluindo a
desaceleração do crescimento a médio e longo prazo, os custos de
trabalho crescentes e uma pressão inflacionária cada vez maior?
Depois de a crise económica global ter debilitado a procura externa,
que sustentou o crescimento sem precedentes da China durante três
décadas, as autoridades acordaram que a procura interna, especialmente o
consumo doméstico, deve converter-se no novo motor de crescimento do
país. No congresso do Partido Comunista chinês de Novembro, os líderes
da China manifestaram a sua intenção de duplicar o rendimento per capita
em 2020, gerando 64 biliões de renminbis (10,2 biliões de dólares) de
poder de compra.
Na verdade, com cerca de 130 milhões de consumidores da classe média,
o mercado doméstico da China tem um potencial significativo. O Boston
Consulting Group estima que, com uma taxa média de crescimento anual do
PIB de 7% na China, e de 2% nos Estados Unidos, o consumo doméstico
chinês para metade do dos Estados Unidos em 2015, e para 80% em 2020
(assumindo que o renminbi aprecia a uma taxa média de 3% em relação ao
dólar dos Estados Unidos ao longo dos próximos anos).
Além disso, o superávit em conta corrente caiu de mais de 10% do PIB
em 2007 para 2,8% em 2011, refletindo a dependência cada vez menor da
China em relação às exportações para impulsionar o crescimento
económico. Em 2010, as importações da China foram as segundas mais
importantes do mundo, e espera-se que cresçam a uma taxa média anual de
27% em 2011-2015, superando o crescimento das exportações em cinco
pontos percentuais. Como resultado, calcula-se que o valor total das
importações deverá ultrapassar os 10 biliões de dólares em apenas dois
anos, oferecendo oportunidades de investimento lucrativas e mercados
mais amplos para os investidores estrangeiros.
Este potencial não se esgota nas empresas multinacionais. Uma
pesquisa realizada em Maio de 2012 pelo Centro de investigação para o
Desenvolvimento do Conselho de Estado da China inquiriu 394 empresas
chinesas e estrangeiras acerca da sua orientação estratégica futura na
China. Em termos gerais, os participantes viam a China não só como uma
oportunidade de mercado, uma base de investigação e desenvolvimento e
uma base de exportações, mas também como uma base industrial de alto
nível e uma base de serviços. Os resultados também reflectiram a
atractividade decrescente da China como uma base de montagem de produto,
produção de baixo custo, e produção de peças.
De facto, apesar de os Estados Unidos e outros países procurarem
trazer a produção industrial para casa (“reshoring”), foram
estabelecendo centros de inovação na China. As empresas multinacionais
criaram cerca de mil centros de investigação e desenvolvimento na China,
incluindo 194 apenas em 2012, permitindo-lhes desenvolver produtos para
o mercado local. Hoje, operam na China mais de 1400 instituições de
investigação com financiamento estrangeiro, e os dados do Ministério do
Comércio da China indicam que 480 das 500 empresas mais importantes do
mundo criaram filiais locais.
Contudo, a China não pode depender do consumo interno como único
motor de crescimento. A história tem mostrado que um modelo de
desenvolvimento unidimensional não pode assegurar uma competitividade
sustentável, da mesma forma que um só mercado não pode sustentar a
procura global. Neste sentido, a China deve continuar a desenvolver o
seu sector industrial.
A China é o principal país industrial do mundo por produção. Mas, ao
mesmo tempo que representa 19,8% do total da produção industrial em
termos globais, recebe menos de 3% do investimento em investigação e
desenvolvimento industrial do mundo. Como resultado, a capacidade de
inovação da China permanece relativamente baixa, e as suas indústrias de
alta tecnologia que requerem um elevado nível de conhecimento são
incapazes de competir globalmente.
Em média, as empresas industriais da China são relativamente pequenas
e, embora a produtividade da sua mão-de-obra industrial (valor agregado
real da produção por empregado) tenha melhorado ao longo da última
década, continua a ser muito menor do que a de países desenvolvidos -
apenas 4,4% da produtividade dos Estados Unidos e do Japão, e 5,6% da
produtividade da Alemanha. E o fenómeno da "pauperização" - em que as
empresas devem ajustar as suas estratégias comerciais para lidar com uma
base de consumidores empobrecidos - está a afectar cada vez mais as
indústrias tradicionais, minando ainda mais a capacidade da China de
alcançar um desenvolvimento sustentável.
Além disso, a qualidade dos produtos manufaturados chineses continua a
ficar atrás da de bens manufaturados nos países desenvolvidos. Enquanto
uma unidade de entrada intermédia nos países desenvolvidos normalmente
gera uma unidade ou mais de valor agregado, na China, a proporção é de
apenas 0,56.
À medida que desaparece o “dividendo demográfico” da China, o seu
mercado de mão-de-obra barata está a encolher, elevando assim os custos
do trabalho outrora baixíssimos, e reduzindo a sua taxa de retorno sobre
o capital. Nos próximos dez anos, com os trabalhadores a exigirem
salários mais altos, benefícios básicos e melhores condições de
trabalho, o país pode muito bem perder a vantagem comparativa que tem
impulsionado o seu auge industrial.
Embora os salários do sector industrial continuem a ser
significativamente mais baixos na China do que nos Estados Unidos, a
diferença está a estreitar-se rapidamente, e isso alimenta o retorno das
indústrias aos Estados Unidos. Considerando que os salários chineses
estão a subir a uma taxa anual de 15-20%, espera-se que as taxas
salariais ajustadas à produtividade nos estados norte-americanos de
baixos custos excedam as de algumas regiões costeiras da China em apenas
40%, em 2015. Se a isto se somar os custos reduzidos da energia nos
Estados Unidos, devido à revolução de gás de xisto do país, e a
complexidade da cadeia de fornecimento global, as vantagens de custo da
China serão, em breve, insignificantes.
Ao mesmo tempo, outras economias emergentes – incluindo o Vietname, a
Índia, o México e os países do leste europeu – estão a disputar a
posição da China como a fábrica do mundo. Estas alternativas de baixo
custo estão a converter-se rapidamente nos destinos preferidos dos
investidores dos países desenvolvidos.
Ainda que o enorme potencial do mercado de consumo da China possa
oferecer um novo impulse ao crescimento económico, a transformação
económica do país não pode ser bem-sucedida sem a melhoria do sector
industrial. Os líderes da China devem começar por aumentar o
investimento em ciência e tecnologia, concentrando esforços na criação
de avanços tecnológicos importantes para a produção de maior valor
agregado. Só com a combinação de mais consumo interno e uma produção
industrial melhorada é que o país poderá desenvolver uma nova vantagem
comparativa, que é fundamental para o crescimento sustentável na próxima
década.
Membro do Centro de Informação da China e
da Fundação de Estudos Internacionais da China, e investigadora na
Plataforma de Pesquisa Macroeconómica da China.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/01/13
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