31/01/2013

ZURAIDA SOARES

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Hossanas aos mercados 

Tenho a alma cheia, cheia, cheia, cheia de alegria infinda! Sinto-me, assim, na eminência de rebentar de exultação e euforia! Portugal foi aos mercados e os mercados – qual lobo mau vestido de avozinha do Capuchinho Vermelho – estenderam a passadeira vermelha e abriram os cordões à bolsa. Num rebate de consciência fictício, resolveram apostar em Portugal, não porque confiem na nossa capacidade de regeneração económica, mas porque sabem que, em última análise, outros assumiram pagar a factura que nós não vamos ser capazes de pagar: o BCE e as autoridades europeias. O encaixe está garantido, à partida e, por isso, o facto de nos continuarem a considerar “lixo”, em nada altera o negócio em curso. Desenganem-se aqueles/as que pensam que esta abertura poderá ser a inauguração de uma austeridade menos estúpida, menos castradora, menos desumana – coisa que, aliás, não existe. Bem pelo contrário. Quem nos (des)governa, por via das dúvidas, já se apressou a explicar que a ida aos mercados não significa mais dignidade, mais respeito e menos sacrifícios. Se, agora, devemos ainda mais do que devíamos – e Portugal já é, proporcionalmente, o país mais endividado da União Europeia, com mais de 120% do PIB - a austeridade tem que ser mantida e intensificada, em nome do bom nome do nosso país. Por isso, muita atenção a mais este golpe. Deixem lá os foguetes e as hossanas e pensem no seguinte: o desemprego vai continuar a aumentar, todos os dias; os salários e as pensões vão continuar a ser esmifrados, até serem uma sombra do que foram; os impostos colossais são para continuar; as falências são cada vez mais inevitáveis, porque ninguém tem dinheiro para comprar o que elas vendem; a saúde, a educação e a segurança social estão sob a ameaça de um definhamento sem precedentes. Os mercados não são ‘amigos’, são bancos, nacionais e internacionais, que sabem bem o que nós também sabemos: quanto mais pedirmos emprestado para pagarmos o que devemos, mais eles ganharão, à custa das nossas vidas. A austeridade mata a economia mas engorda a banca. Festejar o quê, afinal?!

 IN "AÇORIANO ORIENTAL"
29/01/13

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