03/10/2012

FILOMENA MARTINS





A ministra...

O Automóvel Clube de Portugal apresentou uma queixa à Procuradoria-Geral da República por suspeitas de gestão danosa na concessão de algumas PPP rodoviárias. A PGR mandou investigar. Até aqui tudo normal. A partir daqui é que se levantam todas as dúvidas. 
Que as buscas a três ex-governantes do anterior Executivo surjam entre dois megaprotestos, uma tensão no Governo, a polémica do recuo da TSU e o desespero sobre o aumento de austeridade que será brevemente anunciado ainda se pode aceitar: talvez sejam coincidências dos timings da investigação. Mas que a ministra afirme que o caso exemplifica, cito de cor, que acabou a impunidade em Portugal, é gravíssimo. Paula Teixeira da Cruz esqueceu-se de que tutela a Justiça e decidiu ser apenas dirigente partidária. E mesmo nessa qualidade parece ter perdido o bom senso de outros tempos.

Além de ser inaceitável uma tal declaração, o que ela significa para o processo é tremendo: eu, como a maioria dos portugueses seguramente, deixei de acreditar que se trata de um caso de polícia, quando, muito provavelmente, sê-lo-á mesmo. E já olho apenas para a questão como mais um processo político.
Podíamos estar perante uma situação virgem, um caso único, e esta politização da justiça, ou judicialização da política - tanto faz - já seria por si muito grave. Mas não. Os exemplos abundam. Do Freeport aos submarinos ou aos sobreiros, ficámos sempre sem saber se houve realmente crimes ou se estamos perante vinganças partidárias e baixa política. O objetivo de manter eternamente sob suspeita algumas pessoas consegue-se à custa do descrédito total do sector.

... a magistrada
Que as PPP são um roubo oficial, contratualmente legitimado e com custos para gerações futuras, ninguém tem dúvidas: o próprio João Cravinho admitiu-o no Parlamento em relação à concessão da Ponte Vasco da Gama. Que esse crime não se resolve com as renegociações em curso, que apenas poupam uns trocos suspendendo obras em vez de discutirem as rendas que permitem que os lucros sejam privados e os prejuízos públicos, também já se percebeu. Mas se existem outras ilegalidades, o mais certo é que, mais uma vez, ninguém venha a sabê-lo. Resta-nos pois acreditar na garantia dada pela magistrada e (ex?) candidata a futura PGR Cândida Almeida, palestrante nesse independente evento que é a Universidade de Verão do PSD: a de que não há políticos corruptos em Portugal. 

Ela sabe do que fala, tendo em conta os processos políticos que lhe têm passado pelas mãos. Foi Cândida Almeida - segundo Pinto Monteiro, PGR até dia 9 - que deu por concluído o caso Freeport, dispensando mais tempo para a investigação; e foi ela também quem escreveu a resposta à carta enviada por Paulo Portas dando-lhe a certeza de que não era suspeito no caso dos submarinos, apesar do que diziam as cartas rogatórias .
Neste cenário de convicções, promessas ou garantias, como lhe quisermos chamar, pela experiência passada é, pois, possível adivinhar o que aí vem: as suspeitas sobre Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos vão arrastar-se, envolver terceiros e surgir na praça pública, com buscas televisionadas ou notícias diligentemente selecionadas. E tudo acabará como dantes: sem que ninguém seja responsabilizado ou criminalizado. Nem do lado dos criminosos. Nem do da Justiça. 

... e o PGR
No meio de tudo isto, também sem pudores de qualquer ordem, Pinto Monteiro distribuiu, na sua última entrevista como PGR, suspeitas para todos os gostos com a mesma facilidade que anunciou ir dedicar-se "à pesca de trutas". Ora nesse mesmo dia em o PGR conseguia dizer sem se rir, e do alto do seu magistério real, que a investigação em curso às PPP não tinha nada que ver com política, apesar de envolver três ex-governantes do PS e de as PPP serem neste momento uma, talvez a maior, arma de arremesso político. Em que acusava a sua amiga Cândida Almeida de ser a responsável por pôr fim à investigação do processo Freeport, o tal que envolveu José Sócrates. Em que se soube também que os crimes de mais um chamado megaprocesso, o do BCP, podem prescrever. Nesse mesmo dia, Portugal voltou a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pela lentidão da sua justiça, lentidão que lhe vale metade das condenações internacionais. Infelizmente, lá por Estrasburgo, devem andar distraídos - se começarem a surgir queixas sobre a cada vez maior, mais evidente e mais insuportável politização da justiça nacional, vão perceber que a lentidão ainda acaba por ser um mal menor. 
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Directora adjunta

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/10/12

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