A algibeira é redonda
Passos Coelho e Vítor Gaspar descobriram que o limite da algibeira dos portugueses é como a linha do horizonte
Quando, em 1917, a Mãe de Deus, Todo-Poderoso, Senhor do Universo,
decidiu visitar o concelho de Ourém, toda a gente percebeu que o futuro
de Portugal estava no turismo. Se a zona centro, menos favorecida do que
outras na beleza da paisagem, era capaz de atrair viajantes
pertencentes àquele importante segmento do mercado turístico, que
sucesso poderia ter, por exemplo, o Algarve?
Para o Governo,
contudo, o turismo será uma fonte de rendimento interessante, mas não a
principal. O futuro de Portugal passa sobretudo pelos impostos, e é
neles que o Governo tem aplicado toda a sua criatividade e iniciativa.
José Sócrates impôs três programas de estabilidade e crescimento, e
Passos Coelho avançou com outros tantos pacotes de medidas de
austeridade adicionais. De todas as vezes que as medidas foram
apresentadas, houve sempre alguém - fosse uma pessoa com influência e
prestígio na sociedade portuguesa, fosse o Presidente da República - que
tomou a palavra para dizer: cuidado, há um limite para os sacrifícios
do povo português. E, no entanto, semanas depois, novos aumentos. E as
mesmas vozes voltavam a avisar: atenção, os sacrifícios têm um limite.
Hoje, sabemos que estes avisos não tinham razão de ser. De facto, a
realidade demonstra que não há limites para os sacrifícios. O limite da
algibeira dos portugueses é como a linha do horizonte: por mais que nos
aproximemos dele, nunca o atingimos. Passos Coelho e Vítor Gaspar
descobriram que, tal como a terra, também a algibeira dos portugueses é
redonda - e serão ambos apontados como pioneiros quando se fizer a
história da astronomia dos bolsos.
Atrás de sacrifícios, sacrifícios vêm. E só os sacrifícios que
fizemos no passado nos oferecem agora a possibilidade de estar na
posição privilegiada de poder fazer novos sacrifícios. Pouco a pouco, o
Governo começa a fazer cortes significativos na despesa: ainda agora
cortou 100 milhões de euros na despesa dos grandes empresários. E o
trabalho está muito mais barato - excepto para o trabalhador, que tem de
pagar um pouco mais para trabalhar. Mas são as leis do mercado: quando
um bem escasseia, o seu valor aumenta.
Como há poucos empregos, os que
existem são caros. E estaremos perto do momento de viragem, em que o
Governo deixará de pedir aos portugueses e passará a oferecer-lhes. É
por volta da altura em que se atinge este volume de impostos que se
costuma oferecer ao trabalhador dois presentes: umas grilhetas e um
chicote. Em rigor, os presentes não lhe são oferecidos. Normalmente, o
trabalhador fica apenas com o usufruto.
IN "VISÃO"
20/09/12
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