Na terra
do fertilizante assassino
de venda livre
Falo da hipocrisia da venda livre de um fertilizante assassino vendido por tuta e meia que mata sem remissão de pecados
Nos finais dos anos 80, a zona velha da cidade estava
cheia de "erva". alguma plantada nos jardins públicos. O haxixe entrara
havia pouco tempo. E a cocaína era "coisa para ricos, senhores de
carros metalizados, lá para cima...para os lados do novo turismo". Era
assim que se falava. Nesta cidade antiga de mercadores, com cheiro a
marinheiros, prostitutas e gente de má fama, havia uma mistura engraçada
de malta que vinha das artes, do teatro, das poesias ditas num palco
improvisado, mistura com jovens que já faziam viagens a Lisboa e
iniciavam o tráfico de tabletes castanhas moldadas em palmilhas
partilhando, assim, o odor dos ténis sem marca.
Lembro-me de uma das
primeiras reportagens que fiz para a Revista de Domingo deste Diário,
intitulada "Zona Velha SOS", e apanhei logo com as críticas do costume.
Ou seja, para os responsáveis da altura e que são os mesmos de agora
não estava a acontecer nada. Era tudo invenção jornalística num momento
em que o alerta era um apelo à intervenção imediata.
Nessas noites de caneta e bloco acompanhada pelo Marote ou pelo
Spínola de máquinas com rolo a preto e branco, dois grandes fotógrafos,
andámos pelas ruas de Santa Maria, Largo do Corpo Santo, tabernas, bares
e esquinas, praia de santiago a altas horas e vimos de tudo. Achava eu,
na altura. Hoje penso que aquilo não era nada. Era, sim, o embrião de
algo que se alastrou como uma onda gigante que varreu as ilhas. Nesses
anos, crianças (sim, crianças) vendiam medicamentos, 100 escudos cada
comprimido, não digo o nome para não dar ideias, e que eram roubados,
surrupiados aos avós, a pessoas de terceira idade. Vendiam para depois
serem engolidos com uma mistura de álcool e a garantia de pedrada certa.
Se a zona velha foi durante anos a má da fita, e enquanto se achava que
o caso era circunscrito a um terreiro, o negócio da droga ganhava
proporções alarmantes. Em roda livre subiu a avenida.
A heroína passou a
entrar directamente nas veias e atravessou a sociedade não escolhendo
classes sociais. Antes pelo contrário, enquanto andavam uns tristes
amarrados ao haxixe porque não tinham mais de 500 paus para investir
numa "chinesa" partilhada, os que tinham dinheiro, sobretudo da mesada
choruda dos pais, mergulhavam de cabeça do "pó de anjo". Depois tudo
desabou.
Vieram os processos de desintoxicação, a luta para que as escolas não
fossem atingidas, as campanhas umas atrás das outras, SIDA no
vocabulário e o sindroma transferido pelas seringas e as vidas
desfeitas. As mortes. As angústias mas ainda a esperança de que, um dia,
uma limpeza total poderia devolver a realidade a quem dependia da
alucinação e do entorpecimento. Os dias e os anos passaram e eis quando
surge no mercado livre a pior das drogas, não falo da
metilenodioximetanfetamina, a pílula do amor mais conhecida por ecstasy,
uma droga sintetizada, feita em laboratório, e que é ilegal.
Falo da hipocrisia da venda livre de um fertilizante assassino
vendido por tuta e meia que mata sem remissão de pecados, que leva à
loucura, algo que não tem retorno. Estou-me nas tintas para quem diz que
vende o produto a "adultos, a pessoas responsáveis" e que até paga
impostos e que tem as portas abertas porque a legislação assim o
permite. Para o diabo que os leve com o bloom fertilizante para plantas e
jardins.
Espero que esses empresários tenham consciência do inferno que
criaram e espalharam. Espero que haja legislação forte que meta esta
gente na ordem para que as polícias possam actuar, mandando uma meia
dúzia que aí anda fertilizar o chão de uma cela.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
28/08/12
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