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O
seguinte texto foi publicado recentemente no El País, tendo-se tornado
absolutamente viral em Espanha. Reflecte sobre o terrorismo financeiro e
a captura económica. Chama as coisas pelos seus nomes e faz uma análise
sobre o capitalismo actual que está a incendiar não só Espanha como
todo o mundo. O título é "Um canhão pelo cú", e é escrito por Juan José
Millas.
Esse
porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de
trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada.
Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita
inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a
um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que
durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou
se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na
merda se descer.
Tu
e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o
nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as
nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi,
por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos
tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples
mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola
pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o
terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome
de Deus ou da pátria.
Aqui
se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém
resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem
tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para
proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema
legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal
no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da
tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado
que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na
economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela
e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a
colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma
quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que
terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os
serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira
tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se
contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do
nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e
com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um
terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua
pistola no rabo do sequestrado.
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