08/09/2012

CARLOS BARBOSA DA CRUZ

                                                                    
  

A porta dos fundos


O Conselho Estratégico do Futebol Profisssional da UEFA, na sua reunião de 18 de maio, abordando a questão dos fundos de jogadores, ponderou negar a inscrição nas competições europeias a jogadores, cujos passes, ou parte deles, pertençam a terceiras entidades. Esta questão dos fundos de jogadores é assunto bicudo, porquanto, se por um lado, alivia a pressão financeira dos clubes, por outro é instrumento da maior opacidade nas transações que envolvem esses passes, bem como compromete a transparência e verdade desportivas.

Efetivamente, é confortável para os clubes cederem, no todo ou em parte, os chamados direitos económicos sobre os jogadores a estruturas financeiras externas, por uma razão óbvia: gastam, no imediato, menos dinheiro. O pior vem depois. Com efeito, para os titulares do chamado investimento em ativos, o que conta prioritariamente é a valorização do mesmo, com vista à sua rápida alienação, o que envolve determinados pressupostos, qual seja o de que esse jogador tem de jogar e dar nas vistas.

São várias as estórias conhecidas de treinadores que na hora de fazer a linha são confrontados com as exigências dos ditos fundos de incluir os seus activos na equipa. É mais um afloramento do princípio de que o dinheiro fala sempre mais alto, colocando os clubes numa situação de dependência e transformando-os em verdadeiras barrigas de aluguer.

Mas não fica por aqui o desconforto. É que as conveniências dos fundos não coincidem necessariamente com os interesses dos clubes nos quais os jogadores estão “parqueados”. Os clubes olharão sempre mais para as prioridades desportivas e os fundos para a vertente económica. São ilustrativas as diligências que a Traffic fez no defeso de colocar o Xandão no mercado italiano, com o Sporting sem saber se ele ficava ou partia...

Quanto à transparência, estamos conversados. Em primeiro lugar, a verdadeira titularidade dos fundos e organizações congéneres está normalmente ocultada por convenientes localizações em paraísos fiscais, por forma que ninguém nunca sabe, ao certo, quem é o dono de quê.

Depois, os fundos têm frequentemente os seus activos dispersos por diversas equipas, muitas das quais, concorrentes entre si; e a lógica das aplicações financeiras pode levar a que determinado jogador seja posto mais em destaque, que determinado jogador faça tudo para não se magoar, que determinado jogador se guarde para as competições europeias em detrimento das nacionais, tudo isso ao arrepio da verdade desportiva.

Finalmente, todos estes circuitos financeiros tão tortuosos e sofisticados, conduzem inexoravelmente à dúvida se, em alguns casos, não estaremos perante verdadeiras lavandarias de dinheiro.

O aprofundamento das regras internacionais do fair play desportivo, trará, com toda a probabilidade, o fim deste modelo; os clubes portugueses que estão nele alavancados (e são muitos!), que se cuidem.

PS – Ajudava à transparência, saber-se como foi a repartição dos dinheiros, nas vendas do Hulk e do Witsel; penso, porém, que o generoso Zenit deve estar muito agarrado com cláusulas de confidencialidade...


 IN "RECORD"
06/09/12

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