Missão extraordinária
para um Presidente normal
Clareza francesa, impasse grego, incerteza europeia - foi este, em síntese, o resultado das eleições legislativas de domingo passado, que deixa mais uma vez tudo em suspenso sobre o destino europeu, com grandes expectativas sobre as decisões que deverão ser tomadas até ao fim do mês, no Conselho Europeu que decorrerá a 28 e 29 de junho.
Quanto à Grécia, é hoje bem claro o erro que foi o bloqueio à realização do referendo sobre a continuidade da Grécia na Zona Euro, proposto em finais de outubro passado por Georges Papandreou. A vitória, agora, do partido que esteve na origem dos problemas gregos tem o seu quê de comédia. Mas é a tragédia que continua no horizonte europeu, como se tivesse generalizado a incapacidade para se tirarem as necessárias lições do passado.
Quanto à França, François Hollande conseguiu, ao fim de uma fatigante saga eleitoral de quase um ano, uma vitória categórica. Vitória que lhe dá uma maioria absoluta para governar, num contexto inédito em que os socialistas passam a deter todos os poderes políticos de França, das autarquias ao Senado, das regiões à Assembleia Nacional.
Contexto político que também é singular por outras razões, já que - em termos parlamentares - a esquerda radical desaparece, o centro colapsa, a direita radical falha as suas metas fundamentais e a UMP (o partido de Sarkozy, cuja liderança é já disputada por J.-F. Copé e François Fillon) se debate com as inevitáveis querelas sobre as causas e as consequências de uma tão estrondosa derrota.
François Hollande está assim, como queria, face ao povo francês e às expectativas que lhe prometeu concretizar. Mas terá de o fazer sem esquecer a alquimia constitucional que lhe permite alcançar este resultado com 29,2% dos votos expressos (e 19,6% dos votos dos eleitores inscritos) na primeira volta das eleições legislativas.
Eleições estas que, em França, estão cada vez mais transformadas num mero sucedâneo das eleições presidenciais, como se deduz da evolução da abstenção que subiu, num mês, de 19,66% nas presidenciais para 44,59% nas legislativas, sendo maior abaixo dos 40 anos e nas classes populares, e chegando a atingir 63% na faixa entre os 18 e os 24 anos.
Sobre o significado e as consequências desta vitória é preciso sublinhar sobretudo dois pontos. O primeiro é que, com a maioria absoluta obtida, o novo Presidente assume também uma responsabilidade absoluta sobre as mudanças prometidas à sociedade francesa. Com um resultado destas dimensões, não há desculpas, as promessas tornam-se imperativas, seja no que se refere ao emprego ou à dívida, aos jovens ou à educação, à fiscalidade ou à reindustrialização. Ou seja, os dias extraordinários do Presidente normal começaram...
O segundo ponto tem a ver com a União Europeia. Ao jogar a cartada das eurobonds na sua estreia europeia, François Hollande provavelmente não contava com a pronta resposta federal de Angela Merkel, apresentada como a óbvia contrapartida à tão reivindicada mutualização das dívidas dos Estados, e que o colocou entre a espada (a federação) e a parede (o impasse).
O seu silêncio aumentou o impacto da contraofensiva alemã, a que só no sábado passado, na véspera da segunda volta das eleições legislativas, Hollande respondeu propondo - mas sem referir nenhum passo mais integrador ao nível europeu - um plano de investimentos de 120 mil milhões de euros.
Foi no âmbito deste taco a taco que surgiu a referência de Merkel à "mediocridade" para que "alguns" querem arrastar a Alemanha, revelando-se assim uma perigosa deterioração do clima político franco-alemão, que pode dificultar seriamente o compromisso que é indispensável para que a crise do euro seja ultrapassada.
É que, como a propósito afirmou, e bem, Jacques Attali, "os alemães têm de compreender que, se a Europa se desfizer, o seu poder atual não passa de uma ilusão. E que têm interesse em dar tempo aos outros, como a si mesmos, para porem as suas contas em ordem, relançar a sua demografia e salvar os seus bancos. E que admitir que as propostas de crescimento feitas pela França são razoáveis. E os franceses têm de compreender que as propostas alemãs, que visam confiar a uma autoridade comum a verificação do défice público de cada um, não limitam a soberania desde que se conserve o direito de escolher o montante e a natureza das despesas e dos impostos".
É por isso altura de a França ser clara, e dizer se - e em que condições - está disposta a participar numa viragem federal da política europeia. Lembremos que já em 1994 a Alemanha tinha sugerido a constituição de um núcleo duro do euro, com a proposta Schäuble-Lamers. E que em 2000 Joschka Fischer, então ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, relançou a ideia (originalmente, de Delors) de uma Federação de Estados Nações, dotada de uma verdadeira constituição.
Em ambas as ocasiões a França fez de conta que não ouviu, desperdiçando essas oportunidades históricas e expondo o projeto europeu aos danos que se conhecem. É esse gesto que, agora, François Hollande não pode repetir.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/06/12
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