HOJE NO
"i"
Google is watching you.
É possível que ele se esqueça de si?
Se quer destruir o seu rasto na internet, a missão será impossível se tiver sido seguido por terceiros. Um utilizador tem ou não o “direito ao esquecimento”?
Há trabalhos que não dão frutos: ter existência virtual pode ser uma chatice para quem quer uma vida reservada. E se deseja que a internet o esqueça, o melhor é preparar-se para perder algum tempo a tentar destruir os seus vestígios: seja qual for o tamanho do rasto, apagá-lo custa bem mais do que começá-lo. Eu já nem tinha ilusões. Sendo jornalista, era certo que seria uma missão quase impossível.
Tendo um apelido invulgar, ainda mais: é mais difícil que o mundo virtual me confunda com outra. E é nestas alturas que uma pessoa volta a rogar pragas ao apelido que nos atormentou a infância: se me chamasse Sílvia Santos seria bem mais difícil que me encontrassem.
Mas não. Basta googlar o nome – quem nunca googlou que se acuse – para ser confrontada com uma conta no Facebook, referências a um livro, dezenas de artigos publicados, um blogue antigo e até registos de uma intervenção muito antiga numa reunião de câmara, enquanto estreante nas lides num jornal local. Mesmo que conseguisse eliminar os meus registos, seria impossível que o Google não viesse a encontrar outros, porque houve reproduções noutros sites e blogues.
O blogue antigo também já não está ali a fazer nada e se é meu, devia poder apagá-lo com a mesma facilidade com que o criei. Mas falho à primeira na missão de o destruir: esqueci-me da password da conta do wordpress. Com o Facebook, confesso, fiz batota: gosto demasiado dele para me arriscar a perdê-lo. Mas agradeço nunca ter criado uma conta na Wikipédia e nunca ter feito compras na internet.
Parto para a segunda curiosidade: pesquisar o nome dos meus pais no Google, convencida de que esses, de certezinha, não têm rasto na internet. Porquê? Porque nem sequer usam computador. Mas bastam dois cliques para a surpresa: o nome do meu pai aparece em avisos de concursos públicos, por ter trabalhado para o Estado. E o nome da minha mãe, que nunca ligou sequer um computador e também nunca trabalhou para o Estado surge num sítio tão improvável como uma lista com os resultados de quem iria levar uma lanterna ao senhor morto, numa procissão. Quer um, quer outro, têm apenas esses registos. O suficiente para qualquer utilizador, tendo os seus nomes completos, conseguir descobrir facilmente o sítio onde moram. Conclusão: nem quem não percebe nada do mundo virtual, consegue ser invisível, porque há sempre o risco de alguém escrever sobre nós.
Esquecimento
A discussão em torno do direito ao esquecimento – ou seja, ver o seu rasto eliminado da internet – já levou o governo espanhol a pedir à Google para retirar os dados de 90 pessoas daquele motor de busca. Em Espanha, a Agência de Protecção de Dados tem recebido dezenas de queixas de utilizadores que argumentam ter direito a não aparecer nas pesquisas, depois de terem eliminado todas as suas contas. Em Portugal, nenhuma queixa chegou ainda à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). "Temos muitas queixas relacionadas com spam ou com o Street View da Google, mas não com o direito ao esquecimento", adiantou ao i Ana Roque, professora universitária e vogal da CNPD.
Se quer passar à margem dos motores de busca, o melhor é não criar contas, sites ou blogues, não fazer comentários com o seu nome, não trabalhar para o Estado – e, já agora, não pedir obras em casa, porque o edital também fica público. E rezar para que ninguém se lembre da sua existência. Se já violou alguns destes passos e está arrependido, a coisa complica-se.
João Barreto, professor na pós-graduação da Universidade Católica em Segurança de Sistemas de Informação, garante que "hoje é praticamente impossível não ter vida na internet", porque tudo o que se escreve "passa facilmente para a esfera pública". Ana Roque também afiança que o melhor princípio, antes de publicar, é prevenir. E ter em conta que "tudo o que pomos na internet nunca sai da internet": "Se alguém reproduzir ou fizer link para alguma coisa que eu escrevi o ciclo é imparável." A lei permite que qualquer utilizador possa pedir ao prestador de serviço a quebra de contrato. E isto terá de servir para a conta no Facebook, na Vodafone ou na Amazon. Caso o utilizador desconfie que os seus dados não foram eliminados, a CNPD pode fiscalizar e defender os seus direitos. O problema surge quando o que se escreveu já foi republicado por terceiros. Porque isso implica que o Google censure o que foi publicado por outros, contra a sua vontade. "Aí o meu direito ao esquecimento colide com o direito à liberdade de expressão. A não ser que quem usou o seu nome na internet esteja a cometer um crime contra os seus direitos de personalidade, faz parte do seu direito à informação poder escrever sobre outras pessoas", explica Ana Roque.
Para já a lei apenas prevê o direito à eliminação de dados – ou seja, que os seus dados sejam apagados de todos os serviços a que acedeu por via contratual. Mas na nova directiva sobre protecção de dados que está a ser discutida desde Fevereiro e pode vir a ser aplicada em 2014 pretende--se ir mais longe, colocando o direito ao esquecimento online na alçada da regulação comunitária. A medida pretende penalizar com multas as empresas que não retiraram completamente da internet os dados que o utilizador mandou apagar.
Escapar aos olhos do maior motor de busca não é fácil. A CNPD pode pedir à gigante americana para que sejam usados truques, como um que permite confundir o motor de busca ou fazer que este salte os seus resultados sem os tornar visíveis. Mas não sorria já: só aparentemente se tornará invisível. Se os dados que o incomodam estão disponíveis em sites de terceiros, a informação continuará disponível através dos links directos.
por SÍLVIA CANECO
*Estamos tramados, um xixi fora do penico e lá podemos ser notícia
.
Sem comentários:
Enviar um comentário