Os três
problemas da Europa
Neste momento conturbado, talvez pareça simplista a ideia de que os problemas da Europa se reduzem a três mas, a meu ver, há de facto três dimensões que – independentemente da sua óbvia multiplicidade – destabilizam como redemoinhos todo o sistema.
A primeira dimensão problemática, ‘mãe’ de todas as outras, é a evidente constatação de que a moeda única, tal como foi posta em prática na Europa, ou é corrigida em aspectos essenciais da sua arquitectura ou não consegue sobreviver. O efeito conjugado de uma moeda única com um mercado interno agressivo (que inclui mobilidade de capitais e de pessoas) e uma política comercial externa comum (incluindo a componente cambial) gera desequilíbrios endógenos demasiado fortes. A moeda única fez desaparecer todos os mecanismos tradicionais de reequilibro de que os países dispunham para relançar as respectivas economias (taxa de câmbio, em particular) e a ‘União’ também não os criou. Por mais que se crucifiquem gregos, portugueses, espanhóis, italianos e outros que poderão estar para vir, é outra a verdade que salta aos olhos: algo de muito mais profundo terá de ser alterado para que a união monetária possa ser um projecto a manter, se e quando ultrapassarmos a presente crise. E se é certo que os grandes saltos na construção da Europa surgiram sempre como formas de ultrapassar crises, no momento actual – também perturbado por uma Comissão Europeia frágil no meio de agendas ideológicas e nacionalistas fortíssimas – tarda em consolidar-se uma liderança dotada de uma visão de médio prazo.
O segundo problema está relacionado com as condições de ultrapassagem imediata da crise e centra-se na urgentíssima necessidade – já identificada no relatório aprovado pelo Parlamento Europeu em Junho de 2010 – de romper com o ciclo vicioso infernal entre a dívida dos Estados e a dívida dos bancos. Grande parte dos Estados endividou-se para ‘salvar’ o sistema financeiro, tendo sido envolvido, segundo dados da Comissão Europeia, 26% do PIB da UE; mesmo países hoje ‘sob programa’, que se endividam em condições dramáticas, fazem-no também para apoiar os ‘seus’ bancos, como é o caso de Portugal (que acaba de reforçar o capital de dois bancos privados nacionais com recurso a parte dos 12 milhares de milhão de euros a tal destinados no quadro do ‘pacote de ajuda externa’). Por outro lado, os bancos (e suas participadas) figuram entre os principais credores dos Estados, aplicando inclusivamente na aquisição de títulos da dívida soberana parte do bilião de euros (’one trillion’, em inglês) do empréstimo excepcional do Banco Central Europeu (concedido por três anos a taxa reduzida). Ou seja: a fragilidade dos Estados fragiliza os bancos que detêm a sua dívida e os que são afectados pelo ‘risco país’ mas cabe aos respectivos Estados a obrigação de intervir para superar essa fragilidade dos bancos – uma espiral imparável, agravada por um envolvimento dos contribuintes bastante mais evidente do que o dos accionistas...
A terceira questão a ter em conta diz respeito à ‘receita’ de austeridade que domina a chamada ‘agenda de relançamento’ e que assenta numa variável essencial de ajustamento: o salário e o mercado laboral. A receita funcionou para a Alemanha, nomeadamente quando estrategicamente, e apesar de ser a economia mais forte no mercado interno europeu, esmagou em 16,7% (2000-2010) os seus custos laborais efectivos relativamente à Zona Euro. Tratou-se da ‘cereja em cima do bolo’ da competitividade alemã, traduzindo-se numa acumulação de excedentes comerciais sem que a moeda revalorizasse (uma moeda comum e, portanto, partilhada com economias deficitárias). Mas querer generalizar a receita a todos os países da UE (excedentários e deficitários) levanta diversas interrogações: quando hoje as trocas inter-membros dominam o comércio europeu, para onde exportarão os países deficitários? E poderá o esmagamento do salário ser a receita adequada para países cuja falta de competitividade resulta estruturalmente da desqualificação da mão de obra? E que resiliência terá essa estratégia face à importação dos países exteriores à UE com custos (laborais e não só) verdadeiramente baixos?
Existem soluções para cada um destes problemas. No entanto, para que possam ser implementadas, tem de ser discutido e consensualizado a nível europeu um diagnóstico radicalmente distinto do que dominou até hoje. Esse espaço de arejamento parece começar a abrir-se, lenta e meticulosamente, mas a situação agudiza-se em Espanha e as eleições gregas aproximam-se... Ir-se-á ainda a tempo ou será já demasiado tarde?
IN "SOL"
11/06/12
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