13/05/2012

JOÃO MARCELINO

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O chamado 'caso Ongoing'

1 O chamado "caso Ongoing", "o do espião", é uma história inquietante do ponto de vista do Estado democrático e da confiança que nele podem - e devem - ter os cidadãos. Começo por dizer que não me faz confusão que uma determinada empresa, sedenta de poder, decida contratar um técnico dos serviços de informações (neste caso Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do SIED) com o intuito de recolher vantagens comerciais, empresariais, de negócio. E que, ao que parece (pela acusação deduzida pelo DIAP), consiga ter sucesso nessa operação para, presumivelmente, obter informação privilegiada, indevida, ilegal. É precisamente para isso que existem as polícias e a investigação: combater o crime, seja qual for a sua natureza. Neste caso, aliás, o sistema parece ter funcionado.

2 Não me surpreende, sequer, que um determinado profissional seja passível de ser aliciado por boas condições remuneratórias e se disponha mesmo - se é que foi esse o caso - a estar disponível para violar regras e, mesmo, cometer ilegalidades. No fundo, "a vender-se". Repito: "Se é que foi esse o caso", tanto da pessoa como da empresa em causa. A história dos seres humanos fez-se, faz-se e sempre se fará de ganância, atropelos à lei, crime. Como se não bastasse, os sectores em causa (informação, comunicação social) vivem paredes meias, têm interesses comuns, são ambos namorados pelo Poder. Junte-se-lhes as sociedades secretas, necessidades eleitorais, um país pequeno, uma elite paroquial e estão criadas as condições para os contínuos rumores que se abateram há muito sobre a Ongoing, a empresa que pagou a José Eduardo Moniz para este sair da TVI (como José Sócrates pretendia...); que contratou para trabalhar no Brasil um ex-deputado do PSD (Agostinho Branquinho) perguntador incómodo no Parlamento; que afrontou Pinto Balsemão pelo controlo da Impresa antes de se decidir por um caminhada a solo nos media, em Portugal e no Brasil. Tudo isto não me inquieta em demasia. Faz parte da vida. Ciclicamente, teremos coisas destas: processos como a Casa Pia, "Apito Dourado", "Operação Furacão", etc., etc.

3 O que me parece de todo inquietante é a imagem que este caso fornece dos serviços de informações nacionais e da proteção de dados individuais. Temos uma operadora de telecomunicações (a Optimus) em que é possível a uma vulgar trabalhadora fazer cópias de dados pessoais de um cidadão, por acaso jornalista (Nuno Simas, do Público), a partir de casa e sem protocolos adicionais de segurança. Não há multa, por mais brutal (e esta foi: sete milhões de euros), que nos tranquilize. E, sobretudo, temos uns serviços ditos secretos onde alguém que sai pode manter influência e, aparentemente, continuar a funcionar de fora como se estivesse dentro. Uns serviços secretos de onde é possível levar ficheiros, continuar a obter relatórios e nem sequer ser apagado da lista diária de divulgação de expediente, mesmo que tão inodoro como a revista internacional que Silva Carvalho faria circular por um vasto conjunto de amigos e conhecidos.

4 O problema central do chamado "caso Ongoing" é este: numa área tão sensível, vital para um Estado moderno, democrático e de Direito, Portugal não está bem, os seus cidadãos não podem considerar-se a salvo de traficâncias de conjuntura na gestão dos seus dados pessoais; e o País não cuida devidamente da informação que tem necessidade de recolher. Os serviços secretos são algo de que um país não pode abdicar. Por isso devem ser os sucessivos governos a recrutar com zelo, cuidar com responsabilidade, gerir com sentido de Estado. Uma estrutura de segurança em que se passem coisas como aquelas que estão na acusação e foram difundidas pelos diversos órgãos de comunicação social não infunde respeito. Dá medo. É obrigação do governo, de qualquer governo, mudar esta triste realidade a que chegámos numa área tão sensível. O PS exercitou esta semana um notável sentido de responsabilidade mesmo pressionado pelas palavras de Mário Soares ao jornal i. O acordo com a troika é para cumprir. Acrescento que não acredito que Mário Soares, um político a quem Portugal deve clarividência em tantos e tantos momentos fundamentais da história recente, tenha querido dizer aquilo que as suas palavras parecem literalmente significar. Ele o explicará, com certeza.


 IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/05/12


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