25/04/2012

FRANCISCO MOITA FLORES

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 As vítimas da greve 

 Conforme a crise se aprofunda e se multiplicam os problemas sociais, económicos e familiares, vão surgindo discursos sem coerência, psicóticos, gente angustiada que já não encontra outra forma de se expressar que não seja por expressões de ódio, de ressabiamentos, manifestações histéricas, como o caso da tentativa de imolação de um indivíduo no Porto em protesto contra uma decisão da autarquia, expressões de alarvidade individual e colectiva que dizem muito mais sobre o nosso estado de subdesenvolvimento. 

 Esta semana ouvi, num dos noticiários da TSF, um sindicalista do sector dos transportes que explicava as razões que levavam à greve que a Carris vai levar a efeito durante uma semana. Explicava o dirigente, em tom preocupado, os motivos da paralisação. A administração não cumpre e torna-se necessário dar o murro na mesa para que os seus interlocutores despertem. E o murro é a greve. 
 Explicados os motivos, que até admito serem justos, rematava mais ou menos com este corolário: que era uma forma de luta que até beneficiava a empresa. Que esta iria poupar o dia de salário que não pagava aos grevistas, nem subsídios de refeição, nem ia gastar dinheiro em combustível, pelo que, a crer neste argumentário, a maior ambição da Carris, digo eu, seria a greve ter uma adesão de 100%, pois assim a poupança seria radical. Porém, para meu desencanto, explicava o sindicalista que neste processo de luta os prejudicados eram os trabalhadores da empresa que não recebiam e, sobretudo, os utentes dos transportes, que viam as suas vidas prejudicadas. Levando até às últimas consequências este raciocínio, conclui-se que a greve tem como objectivo levar a empresa a poupar umas massas e terá como suas vítimas principais os muitos milhares de passageiros que pagam mensalmente os seus passes e contribuem para que as empresas de transportes públicas não afundem mais a economia do País. No meio de tudo isto, a administração espera tranquilamente que a semana de greve passe, contando os dinheiritos das poupanças, e o inimigo principal passa a ser o utilizador/pagador.

 É a verdadeira prostituição da velha luta de classes marxista. Os explorados estragam a vida a milhares de explorados, enquanto os exploradores ficam confortavelmente instalados, gozando o prato. Quando se chega aqui, é caso para se suspeitar de que a demência começa a andar à solta. 


 Professor  universitário

IN "CORREIO DA MANHÃ" 
 22/04/12 


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