25/04/2012


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O meu 25 de Abril 

Dia 25/4/74, eram 8h.05. Era a habitual hora de me levantar, quando oiço chegar o meu pai aflito, vindo da padaria com o pão, dizendo: 
- Há uma revolução, o Chico não pode ir à escola, a Baixa está cheia de tropas! 
- Aquilo “de não poder ir à escola” interessou-me logo, eu nem estava a acreditar, pois ao fim de 4 anos de primária, pela 1ª vez não ia à escola! Era formidável!!! Nesse dia estava eu e os meus colegas livres de levar porrada da grossa (tortura e terror) imposta diariamente pelo nosso professor da primária: Alexandre Mendonça Martins na escola Nº 24 do Bairro de São Miguel com a sua “varinha mágica” como ele lhe chamava, às vergastas que ele próprio arrancava dos arbustos do jardim da escola, com que nos enchia de nódoas negras, até as ouvíamos assobiar no ar!!! Encolhíamos nos todos de ver bater no desgraçado, pois sabíamos que dentro de minutos o desgraçado era cada um de nós! 
Já para não falar da situação de vexame a que nos submetia aquando duma redacção, desenho… Escolhendo a redacção mais fraca, pondo-a em ridículo, lendo-a alto em voz de gozo para todos se rirem dando ênfase às situações caricatas e lendo os erros tal como o aluno escrevera, no final o aluno como prémio era chamado à frente para saborear a “varinha mágica”. 
Com os desenhos e tudo o resto era a mesma coisa, exibia gozando. Portanto não convinha nada ter a pior redacção, o ditado com mais erros, o pior desenho, a pior aritmética porque já se sabia que ia ter como prémio a famosa “varinha mágica”, que fazia milagres como ele dizia! Enfim métodos de ensino! Cá para mim ele deve ter sido educado num seminário para padres (lá bem no interior) ou coisa do género! 
A PIDE é que nunca o descobriu! Dava um óptimo pide!!! Naquela época os festivais da canção eram muito importantes e todos os anos a rapaziada cantava a canção vencedora ou a mais "orelhuda" e nesse ano a canção "festivaleira" tinha ficado em 2º lugar "No Dia Em Que 0 Rei Fez Anos" enquanto a vencedora fora "E Depois Do Adeus". E fora também a 1ª senha para dar inicio às operações militares. E após o 25 de Abril a canção que toda a gente cantava era "Somos Livres". Portanto o não ter ido à escola nesse dia foi a melhor prenda! 
 
Fui para a rua e o que eu ouvia na rua e na escada do prédio era: Que queriam fazer mal ao Marcelo Caetano e também ao Américo de Tomás e eu pensei de imediato «Isto são uns patifes»! Fazerem mal ao Marcelo Caetano e ao Américo de Tomás que são pessoas tão boas! 
Fiquei com medo dos revolucionários e das tropas. Ao que depois me disseram que não! Os revolucionários é que eram bons e os do governo é que eram maus! Fiquei confuso, sem perceber! Eu tinha em tão boa conta o Presidente Américo Tomás que alem de ter o seu nome no actual Estádio do Restelo, estava lá na fotografia por cima do quadro da sala de aula ao lado da também fotografia do Salazar, apesar do presidente do conselho já ser há bastantes anos Marcelo Caetano. Como digo tinha em boa conta “esta gente” como é que agora eles eram maus! E foi então que na rua havia quem explicasse à vizinhança que eles eram fascistas e ditadores, “palavrões” que eu nunca ouvira antes! 
 
E as explicações continuavam: - Eles têm muita gente presa que nunca cometeram crimes, apenas mostraram ter outra opinião e só por isso foram presos. Estão lá no «poleiro» mas foram eles que se meteram lá e de lá não saiem, ninguém votou neles para estarem lá! E eu ouvindo isto pensei: Nunca me ocorreu saber como é que “eles” estão no governo, pois se não é por tomada de posse hereditária, como é que são eles e não outros no governo? Eu que estava com medo das forças armadas, fiquei a saber pelas pessoas que afinal eles vieram libertar o país duma ditadura “Oligárquica”. E o que eu sentia nesse momento era o que uma vizinha dizia: - “Eles” enganaram-me bem, eu que pensava que eles eram amigos do povo e afinal… 
Eu não sabia que existia PIDE/DGS, que havia censura, presos políticos, que deveria haver eleições, que chegou a haver eleições que foram só para alguns “farsas”. 
Mas nesse mesmo dia apareciam pessoas com opinião contrária, que diziam: «O Zé Povinho anda contente mas não sabe o que o espera!» «Isto ainda vai haver uma guerra civil» «Quem trabalha e não se mete em confusões a pide não prendia» «O Salazar foi amigo do país porque deixou grandes reservas de ouro e livrou-nos da 2ª Guerra Mundial». Ao que a maioria das pessoas respondiam (as mais velhas): Que o Salazar fê-las passar fome… Nesse dia não ouvi falar em partidos politicos mas ouvi muitas palavras novas: Fascismo; Ditadura; Democracia; Latifúndio; Monopólio; Eleições; Revindicações… 
Um dia diferente num país onde nada acontecia. O maior acontecimento nacional dos últimos 5 anos nas conversas de café tinha sido o aumento da “bandeirada dos táxis” de 1$50 para 2$00, numa época em que os preços eram «eternos» mas que a crise petrolífera internacional de 1973 (com os racionamentos) estava a complicar. Durante a semana a seguir ao dia da “Revolução Dos Cravos”, foi a semana nacional mais colorida de sempre, as pessoas estavam eufóricas e felizes, eram todas amigas umas das outras e até pessoas que já não se viam à muitos anos, faziam visitas umas às outras! Culminou com a grande festa do 1º de Maio na FNAT, actual INATEL (perto de onde moro). Nunca vi nem houve tanta gente junta nas ruas de Lisboa como nesse dia. E éramos todos AMIGOS! 
 
Nesta época a taxa de analfabetismo em pessoas acima dos 45 anos era superior a 50% e aumentava muito no interior principalmente nas pessoas do sexo feminino. A maioria das pessoas ainda não possuía televisão (eu só tinha há 2 anos), nem sequer electricidade ou água canalizada nas suas localidades. E foi neste “Portugal profundo” que passadas 3 semanas encontrei mais o meu pai, pessoas que em conversa com elas desconheciam a existência da revolução que mudara de regime, estávamos admirados ao que o meu avô aproximou-se e ao aperceber-se da conversa disse: 
- Eles não sabem disso aqui! – Não têm telefonia! – O 25 de Abril não chegou cá a eles!!!

                                                                 Francisco Silva 


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