10/02/2012

LAURA TYSON



Os três défices dos 
  Estados Unidos da América


O crescimento da produção nos Estados Unidos mantém-se fraco e a economia continua a enfrentar três défices significativos: o défice de emprego, o défice de investimento e o défice fiscal a longo prazo, sendo que nenhum deles é susceptível de ser resolvido em ano de eleições. Apesar de a produção ser agora superior à que era no quarto trimestre de 2007, ela continua muito abaixo da que poderia ser produzida, caso o trabalho e a capacidade fossem utilizados integralmente. Essa lacuna – entre a produção efectiva e a potencial – é estimada em mais de 7% do PIB (mais de um milhão de milhões de dólares).

A lacuna na produção reflecte um défice de mais de 12 milhões de empregos – o número de empregos necessário para regressar ao nível mais alto de emprego da economia de 2007 e absorver as 125.000 pessoas prontas para entrar no mercado de trabalho todos os meses. Mesmo que a economia cresça 2,5% em 2012, como apontam as previsões mais recentes, o défice de emprego permanecerá – e não será encerrado antes de 2024.

O défice de emprego norte-americano resulta essencialmente da procura agregada inadequada. O consumo, que corresponde a cerca de 70% da despesa total, é limitado pela elevada taxa de desemprego, pelos baixos salários e pela forte quebra do valor imobiliário e da riqueza dos consumidores. O pequeno aumento no consumo nos últimos meses de 2011 foi financiado por uma diminuição da taxa de poupança das famílias e por um grande aumento do crédito ao consumo. Nenhuma destas tendências é saudável ou sustentável.

Com uma taxa de desemprego de 8,5%, uma taxa de participação da população activa de apenas 64% e uma estagnação dos salários reais, o rendimento do trabalho caiu para um nível histórico de 44% do rendimento nacional. E o rendimento do trabalho é o elemento mais importante do rendimento das famílias, o principal motor das despesas de consumo.

Mesmo antes da grande recessão, as famílias e os trabalhadores norte-americanos estavam em dificuldades. A taxa de crescimento do emprego, entre 2000 e 2007, diminuiu para apenas metade do seu nível das três décadas anteriores. O crescimento da produtividade foi forte, mas ultrapassou largamente o crescimento salarial e a real remuneração por hora dos trabalhadores diminuiu, em média, mesmo para os que têm formação universitária.

Na verdade, o período de 2002-2007 foi a única recuperação registada durante a qual o rendimento médio efectivo das famílias diminuiu. Além disso, as oportunidades de emprego continuaram a polarizar com um crescimento laboral muito elevado em actividades profissionais, técnicas e de gestão, com salários elevados, bem como nos serviços de restauração, de cuidados pessoais e de protecção, com salários baixos.

Por outro lado, o emprego nas actividades de competências médias, área administrativa [colarinhos brancos] e área fabril [colarinhos azuis] caiu, especialmente na indústria transformadora. As famílias americanas mais atingidas cortaram nas suas poupanças, contraíram empréstimos para compra de casa e aumentaram a sua dívida para manterem os níveis de consumo, contribuindo para as bolhas imobiliária e de crédito que rebentaram em 2008, o que exigiu uma desalavancagem dolorosa desde então.

Três forças têm impulsionado as mudanças estruturais adversas no mercado de trabalho norte-americano:

– A mudança tecnológica de natureza técnica, que automatizou o trabalho de rotina, reforçando a procura de trabalhadores altamente qualificados com formação superior.

– A concorrência mundial e a integração dos mercados de trabalho através do comércio e da contratação externa de serviços, o que originou a supressão de postos de trabalho e a diminuição de salários.

– O declínio da competitividade dos Estados Unidos da América como um lugar atractivo para instalar a produção e o emprego.

A mudança tecnológica e a globalização criaram desafios semelhantes no mercado de trabalho em outros países desenvolvidos. Mas as escolhas políticas norte-americanas são responsáveis pela erosão da competitividade norte-americana.

Em particular, os Estados Unidos estão a investir menos nas três principais áreas que ajudam os países a criar e a manter empregos com salários elevados: competências e formação, infra-estruturas e investigação e desenvolvimento. São gastos nestas áreas de negócios menos de 10% da despesa pública norte-americana e esta percentagem tem vindo a diminuir ao longo do tempo. O Governo federal pode actualmente recorrer a empréstimos com taxas de juro historicamente baixas e existem muitos projectos em educação, infra-estruturas e investigação que ganhariam uma maior rentabilidade, criariam postos de trabalho em tempo real e reforçariam a competitividade norte-americana para atrair empregos muito bem remunerados.

O Presidente Barack Obama apresentou inúmeras propostas para investir nos alicerces da competitividade nacional, mas os congressistas republicanos recusaram-nas, alegando que os Estados Unidos enfrentam uma crise fiscal iminente. Na verdade, o défice federal, em termos de percentagem do PIB, diminuirá significativamente nos próximos anos, mesmo sem a implementação de novas medidas para a redução do défice, antes de aumentar para níveis insustentáveis em 2030.

Os Estados Unidos, de facto, enfrentam um défice fiscal de longo prazo, devendo-se sobretudo ao aumento dos custos dos cuidados de saúde e ao envelhecimento da população. Mas o défice fiscal actual reflecte principalmente as fracas receitas fiscais, devido ao lento crescimento e à elevada taxa de desemprego, e as medidas de incentivo temporárias que estão a desaparecer numa altura em que a procura agregada continua frágil e o estímulo fiscal adicional é justificado. Pelo menos, para manter a economia em direcção a um crescimento de 2,5% neste ano, o desagravamento fiscal nos salários e nos subsídios de desemprego apresentado por Obama deve prosseguir até ao final do ano. Estas medidas fornecerão um seguro à frágil recuperação e não acrescentarão nada de novo ao défice orçamental de longo prazo.

Então, como é que o défice de emprego, o défice de investimento e o défice fiscal a longo prazo da economia norte-americana devem ser abordados? Os responsáveis políticos devem criar parelhas de medidas fiscais para melhorar os défices de emprego e de investimento actuais com um plano plurianual para reduzir gradualmente o défice fiscal de longo prazo. Este plano de longo prazo deve canalizar mais verbas para a educação, infra-estruturas e investigação, reduzindo simultaneamente o futuro crescimento em gastos com os cuidados de saúde através dos mecanismos de controlo de custos apresentados na legislação de Obama sobre a reforma da saúde.

Aprovar um plano de redução do défice de longo prazo agora, mas protelar o seu início até que a economia atinja a situação de quase pleno emprego, evitaria que a contracção financeira prematura empurrasse a economia novamente para a recessão. Na verdade, a promulgação de tal pacote poderia reforçar a produção e o crescimento do emprego, ao aliviar as preocupações dos investidores sobre défices futuros e ao reforçar da confiança dos consumidores e das empresas.

As escolhas dolorosas sobre como encerrar o défice orçamental de longo prazo deveriam ser decididas agora e implementadas rapidamente a partir do momento em que a economia tivesse recuperado. Mas, para os próximos anos, as prioridades da política fiscal deverão ser o emprego, o investimento e o crescimento.

Ex-presidente do conselho de assessores económicos do Presidente dos Estados Unidos, é professora na Haas School of Business da Universidade da Califórnia, Berkeley.


Tradução de Deolinda Esteves/Project Syndicate


IN "PÚBLICO"
06/02/12

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