16/09/2011

LUCIANO AMARAL




Sair disto

Agora que se aproxima, em todo o seu esplendor, a ameaça de bancarrota e possível abandono da UEM pela Grécia, ainda há muito a salvar.

Claro que para isso é necessário começar por ultrapassar uma grande barreira: aquilo a que poderíamos chamar "eurite", ou a incapacidade de ver para além do euro.

Um dos mais graves sintomas de "eurite" é considerar a Grécia um caso excepcional. Ainda no outro dia o ministro Miguel Relvas, repetindo o bordão do anterior Governo (e de todos os governos de economias em risco, incluindo os EUA), insistiu: "Portugal não é a Grécia". Quer dizer: a Grécia não seria capaz de aplicar as receitas da ‘troika', nós sim. Mas talvez não seja esse o problema. Em primeiro lugar, está por estabelecer se Portugal é ou não capaz de cumprir o Memorando de Entendimento. Em segundo, está por estabelecer que o memorando tenha bons resultados. No caso da Grécia tivemos o pior dos dois mundos: o memorando não se cumpriu e o pouco que se cumpriu teve efeitos catastróficos na economia.

Porque o verdadeiro problema não é especificamente grego. É, antes, o dos desequilíbrios permanentes entre as economias participantes na UEM. Muito antes de aqui chegar, já Portugal vinha acumulando dívida externa em volumes incomportáveis. O que não era senão o resultado da sua falta de competitividade. Coisa que se repete, em graus diferentes, na Eslováquia, na Espanha, na Itália, em França e noutros países. E onde não se repete, como na Irlanda, ajuda a criar crises bancárias.

Deixar a Grécia ir e imaginar que, assim, desaparecem os problemas da UEM é uma ilusão trágica. Para lá da austeridade, para lá da ‘troika' e dos seus memorandos, estaria talvez na altura de pensar, em Portugal, na Grécia e em toda a Europa numa qualquer forma de bancarrota ordenada e, até, numa qualquer forma de abandono da UEM que preserve o essencial. Não basta repetir que o euro vai sobreviver. Não basta repetir que o fim do euro é o fim da UE. Não basta repetir que o fim do euro é o fim do mundo. Fazê-lo é apenas uma forma de não discutir uma das possíveis consequências da actual situação.

Curiosamente, discutir esta possibilidade pode ajudar à sobrevivência do próprio euro. Em particular, se contribuir para pensar em soluções flexíveis, como uma saída transitória mediante compromisso de aplicação de certas medidas. Era assim que se fazia no tempo do padrão-ouro (uma espécie de euro do século XIX), sendo essencial aqui a credibilidade do Governo assumindo aquele compromisso. Só que fazê-lo com uma desvalorização cambial ajuda mais a essa credibilidade do que acumulando políticas orçamentais e monetárias punitivas. Falta muito pouco para se tomarem certas decisões.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
15/09/11

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