Estágio de advocacia
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O provedor de Justiça pediu ao Tribunal Constitucional (TC) que declare a inconstitucionalidade de três artigos do Regulamento Nacional de Estágio (RNE) da Ordem dos Advogados (OA) que limitam o número de vezes que um advogado estagiário pode repetir exames e estágios.
É a segunda vez, em menos de dois anos, que o provedor suscita a inconstitucionalidade de medidas tomadas pela OA para melhorar a formação profissional dos advogados portugueses. Da primeira vez estava em causa a criação de um exame nacional de acesso ao estágio unicamente para os candidatos com uma licenciatura de apenas três ou quatro anos de frequência universitária, licenciados esses que o próprio Estado nem com um exame deixa entrar no Centro de Estudos Judiciários.
Agora, o provedor insurgiu-se contra os artigos 24.º, 36.º e 42.º do RNE (já em vigor aquando do primeiro pedido de inconstitucionalidade) que impedem os candidatos de se inscreverem indefinidamente em cursos de estágio, mesmo depois de fazerem dois estágios e de reprovarem quatro vezes no mesmo exame. Com efeito, o que aqueles artigos determinam é que os candidatos que reprovarem num exame poderão repetir esse exame e se voltarem a reprovar terão de frequentar outro curso de estágio. Mas, se no fim deste novo estágio voltarem a reprovar mais duas vezes, então só poderão inscrever-se em novo estágio após um período de três anos.
Sublinhe-se que o estágio na OA visa preparar os licenciados em direito para o exercício da advocacia, ministrando-lhes uma formação adequada, sobretudo no domínio das práticas forenses e da deontologia profissional. Obviamente que essa formação só pode ser assimilada por quem tiver as bases teóricas das várias disciplinas do direito e da ciência jurídica. Por isso, quem tiver uma boa licenciatura (possuir essas bases teóricas) dificilmente reprova num estágio de advocacia; mas quem não a tiver jamais concluirá com êxito um estágio digno desse nome, ainda que o repita indefinidamente. É que um estágio de advocacia não se destina a ensinar direito, mas antes a ministrar formação profissional a quem já tiver os conhecimentos jurídicos necessários.
Em Portugal, a maioria das universidades mercantilizou o ensino do direito e está mais interessada nas chorudas prestações e propinas que cobra aos estudantes do que em prepará-los devidamente para o exercício de uma profissão forense. Grande parte das universidades está mais preocupada com a «empregabilidade», isto é, em arranjar (e propagandear) empregos para os seus alunos do que com a qualidade do ensino do direito. Aliás, em algumas universidades, o facilitismo é tal que os estudantes já são tratados mais como clientes do que como alunos.
Ora, a Ordem dos Advogados foi incumbida pelo Estado de dizer quem é que está apto a poder exercer a advocacia em Portugal. Ao atribuir uma cédula de advogado a quem concluiu com êxito o seu estágio, a OA está a habilitá-lo a exercer essa profissão, ou seja, está a dizer à sociedade que pode confiar nesse novo advogado porque ele possui a formação deontológica e os conhecimentos teóricos e práticos necessários ao exercício da advocacia com qualidade e probidade. Em suma: está a dizer a todos os cidadãos que podem acreditar nele e confiar--lhe os seus direitos e até os seus patrimónios porque ele é digno dessa confiança.
Infelizmente, o actual provedor, que é um magistrado e já esteve ligado a uma universidade privada, parece mais preocupado com a empregabilidade dos cursos de direito do que com a qualidade da justiça que, obviamente, depende - e muito - da qualidade da advocacia. Isso apesar de se manter mudo e quedo em relação ao facto de o Estado não permitir que os licenciados em direito acedam à magistratura, justamente por reconhecer que as actuais licenciaturas não possuem a qualidade suficiente para possibilitar a formação de magistrados com qualidade. Por tudo isso - digo-o solenemente -, enquanto eu for bastonário, a OA não venderá cédulas profissionais de advogado como algumas universidades vendem diplomas de licenciatura em direito, por mais lucrativo que seja esse negócio e por muito poderosos que sejam os interesses afectados.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
12/09/11
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