A "Troika"... um retrocesso
na Prevenção da Corrupção
nas Autarquias?
Desde data relativamente recente a prevenção do risco de corrupção nos municípios mereceu particular atenção, concretamente, a partir da criação em Portugal do Conselho de Prevenção de Corrupção (CPC).
O CPC, entidade administrativa independente que funciona junto do Tribunal de Contas, tem como fim desenvolver, nos termos da lei, uma actividade de âmbito nacional no domínio da prevenção da corrupção e infracções conexas (artigo 1º da Lei nº 54/2008). Este Conselho, aprovou uma Recomendação, em 1 de Julho de 2009, sobre "Planos de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas", a qual refere que "Os órgãos máximos das entidades gestoras de dinheiros, valores ou patrimónios públicos, seja qual for a sua natureza, devem, no prazo de 90 dias, elaborar planos de gestão de riscos e infracções conexas."
Tais planos devem conter, nomeadamente, os seguintes elementos:
a) Identificação, relativamente a cada área ou departamento, dos riscos de corrupção e infracções conexas;
b) Com base na identificação dos riscos, identificação das medidas adoptadas que previnam a sua ocorrência (por exemplo, mecanismos de controlo interno, segregação de funções, definição prévia de critérios gerais e abstractos, designadamente na concessão de benefícios públicos e no recurso a especialistas externos, nomeação de júris diferenciados para cada concurso, programação de acções de formação adequada, etc.);
c) Definição e identificação dos vários responsáveis envolvidos na gestão do plano, sob a direcção do órgão dirigente máximo;
d) Elaboração anual de um relatório sobre a execução do plano.
No caso concreto dos municípios, a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), elaborou, subsequentemente, um Plano-Tipo de auxílio à elaboração dos referidos planos.
Os serviços públicos são estruturas em que, naturalmente, também se verificam riscos de gestão de todo o tipo, e, particularmente, riscos de corrupção e infracções conexas. Como sabemos, a corrupção constitui-se como um obstáculo fundamental ao normal funcionamento das instituições, produzindo efeitos, essencialmente, na qualidade da democracia e do desenvolvimento económico e social.
Pela listagem actualizada com regularidade pelo CPC, das entidades que cumpriram com a recomendação, independentemente do momento em que o fizeram (cumprimento ou não do prazo inicial dado), constatamos que actualmente os municípios responderam na sua grande maioria a esta missiva, tendo enviado e/ou disponibilizado na internet o documento (Plano de Prevenção da Corrupção) entretanto elaborado.
Compreende-se facilmente que, desde logo por razões políticas e atendendo ao objectivo muito sensível dos referidos "planos" (a prevenção da Corrupção), os responsáveis autárquicos sentiram-se incentivados a incluir o seu município naquela listagem do CPC, no sentido de sinalizar, publicamente, a sua preocupação com a prevenção da Corrupção. Até porque, muitos deles, encontram-se já em final de mandato e perceberam rapidamente que seria útil terminá-lo, associados a medidas desta natureza.
1. Mas será que as autarquias cumpridoras elaboraram planos de prevenção de corrupção adaptados às suas próprias especificidades e realidade organizacional?
2. Será que as intenções e medidas que constam dos planos elaborados já saíram do papel?
Respondendo à primeira questão, pela análise de alguns destes planos, de norte a sul do país, podemos facilmente constatar que não. Houve uma tendência generalizada para os aproximar (apenas) do plano-tipo da ANMP, abstraindo-se muitas vezes da própria realidade. Por outro lado, houve ainda um inequívoco receio de identificar alguns riscos e, em especial, de os graduar, quando aplicável, como "frequentes" ou "muito frequentes"; foi habitual a identificação de riscos de corrupção "pouco frequentes", normalmente, completamente mitigados pelas medidas propostas.
No que respeita à segunda questão, e apesar do referido na primeira, seria injusto afirmar que os diversos autarcas não têm tentado implementar efectivamente algumas medidas.
Contudo, em especial nos municípios de pequena e média dimensão, os respectivos autarcas têm sentido limitações internas que decorrem essencialmente de uma deficiente implementação prévia de Sistemas de Controlo Interno adequados, bem como, de um patamar organizacional não coerente com as necessidades de implementação do plano elaborado.
Sendo o risco de Corrupção dos mais difíceis de mitigar, é também verdade que é através de um adequado e efectivo Sistema de Controlo Interno, que se poderá atingir um bom nível de mitigação deste risco. Temos hoje em dia algumas referências /frameworks internacionais, as quais não deixam de constituir as melhores práticas internacionais nesta área do Controlo Interno, onde as nossas Organizações (públicas e privadas) se podem suportar para, elas próprias, implementarem um adequado Sistema de Controlo Interno.
Por outro lado, temos que estar conscientes que um adequado Sistema de Controlo Interno pode implicar formação adicional, reestruturação de serviços e processos, melhoria de sistemas contabilísticos, informáticos, etc., algumas vezes, com recurso a consultores externos.
Ou seja, exigirá necessariamente mais recursos financeiros e humanos.
E, certamente, não será agora, com o memorando de entendimento da Troika, que os municípios conseguirão obter recursos adicionais, antes pelo contrário. Pelas medidas anunciadas pelo FMI/BCE/UE já sabemos que estes serão cada vez mais reduzidos, nomeadamente:
* Redução de funcionários, estimando a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) que será necessário a redução de cerca de 2600 funcionários;
* Redução das transferências para as Autoridades Locais e Regionais em, pelo menos 175 milhões de euros, tendo em vista a contribuição deste subsector para a consolidação orçamental.
Tendo presente que a obrigatoriedade de Sistemas de Controlo Interno por parte das Autarquias já existe desde 1999, com a aprovação do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), é de lamentar que nunca tenha sido adequadamente valorizada a importância da sua implementação efectiva e abrangente. Algo que poderia ter vindo a ser feito de uma forma gradual, com a necessária repartição de recursos ao logo da última década, no sentido de colocar agora o poder local num nível organizacional facilitador da implementação deste tipo de sistemas de controlo, cumulativamente, mitigadores do risco de corrupção.
É de lamentar que só muito mais tarde, em período de franca austeridade se comece a perseguir algo que, em verdade, poderá agora estar desde logo comprometido.
Depois de um claro avanço com a criação do CPC em Portugal, não tendo as autarquias, atempadamente e desde a aprovação do POCAL, implementado Sistemas de Controlo Interno adequados, muito provavelmente estaremos agora num evitável impasse na Prevenção da Corrupção, em especial, no poder local.
Obviamente, a culpa não é da Troika....é nossa! Foi necessário termos sido confrontados agora com uma limitação efectiva de recursos, para tomarmos consciência que deveríamos ter avançado (muito) mais cedo para um nível organizacional mais evoluído nos nossos municípios, nomeadamente, que nos permitisse, presente e futuramente, uma maior eficácia na prevenção da Corrupção.
IN "VISÃO"
26/05/11
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