A minha agenda
em Chengdu
"Atrair o tigre para fora da montanha" é um dos clássicos 36 estratagemas chineses trazidos até nós por milhares de anos de sabedoria, não por um único autor, mas por um incontável número de filósofos, escritores, estrategas, comerciantes e gente comum.
É o 15.º e faz parte do grupo de seis estratagemas que devem ser utilizados quando, numa negociação ou situação semelhante, estamos em posição potencial de ataque. Esta é uma situação difícil pois pode gerar maiores perdas, pelo que devemos preocupar-nos em minimizar a nossa exposição a fim de retirarmos o maior benefício.
A ideia base é a de que, em vez de nos aventurarmos por terreno desconhecido, é sempre preferível atrair a outra parte para o nosso campo, onde conhecemos todas as condições e as circunstâncias nos são mais favoráveis, para assim a podermos controlar com o menor esforço. O estratagema invoca a importância da geografia que um dos mais célebres estrategas militares chineses, Zhuge Liang, considerava ser um dos três principais ingredientes da vitória, além da oportunidade e do apoio popular.
De acordo com o estratagema "atrair o tigre para fora da montanha", as pessoas são mais arrogantes e autoconfiantes no seu meio ambiente natural, que conhecem e dominam, pelo que, convidá-las para o "nosso" terreno irá, desde logo, torná-las mais vulneráveis e permeáveis a qualquer pedido ou exigência. Na realidade, poderemos tirar maior vantagem de um pedido se convidarmos o nosso patrão para almoçar num restaurante que conhecemos e onde somos conhecidos; tal como, se quisermos impressionar um parceiro de negócio, nada melhor do que levá-lo para um lugar onde nos sentimos apoiados e à vontade. "Venham à China", dizem-nos os nossos parceiros chineses com frequência. Não se trata de um convite para fazer turismo, mas do conhecimento de que, tal como o tigre, rei da montanha, pouca vantagem terá dentro de um rio, o ocidental ficará desorientado e dependente num ambiente e língua desconhecidos. Inscritos no inconsciente colectivo chinês, os estratagemas são utilizados com toda a naturalidade, isolados ou em combinações várias, como uma forma normal de fazer as coisas. São de interesse para todos os que se preocupam com a dinâmica da história, com os negócios e com as relações humanas, e certamente indispensáveis quando se quer negociar na China. Os estratagemas são ideias complexas que requerem conhecimento e incluem uma grande diversidade de práticas. Por exemplo, a prática corrente de, na China, os nossos anfitriões ocuparem e controlarem todo o nosso tempo está claramente inserida no estratagema número 15.
Não foi pois com surpresa que, como é habitual, recebi recentemente a agenda da minha próxima viagem a Chengdu com todo o detalhe do que vão ser os meus dias nos tempos que se seguem. "Querida Virgínia, em anexo podes encontrar a tua agenda em Chengdu. Dia 1: 21:15 chegada ao aeroporto; 23:30 "check in" no hotel. Dia 2: 6:45 pequeno-almoço; 7:15 "check out" do hotel; 7:30 partida para "Deyang"; 9:30 "check in" no hotel em "Deyang"; 9:45 às 11:45 comunicação com os alunos de doutoramento em "Deyang"; 12:00 almoço; 13:00 descanso; 13:30 "check out" do hotel e partida para "Hanwang"; 14:30 visita ao local do terramoto de 2008; 15:30 visita técnica à fábrica X; 16:25 seminário na fábrica X; 17:15 regresso a Chengdu; 19:00 jantar e espectáculo de máscaras; 21:30 "check in" no hotel em Chengdu. Dia 3...".
Ainda antes da partida, das 18 horas de viagem, da noite sem dormir e do "jetlag", posso sentir a minha energia a esvair-se, um sopro de vento sobre a água. Mas gostos adquiridos são sempre mais agradáveis - e mais difíceis de reprimir - e eu há mais de 20 anos que adquiri este gosto pela China. O melhor mesmo é aceitar e tornar-me parte desta espécie de conspiração em que ambos os participantes estão do mesmo lado, embora eu nunca saiba exactamente qual o meu papel. Desde já antecipo a minha chegada ao aeroporto: a minha anfitriã receber-me-á com pequenos gritos de encantamento, como se eu tivesse regressado, sã e salva, de uma perigosa viagem. Saberei então que vai valer a pena.
Professora no ISCTE Business School
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
17/05/11
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