12/04/2011

VICTOR ÂNGELO

 

 

Avisos e inquietações

Há que ter a coragem de dizer não à presença de trabalhadores humanitários em zonas de risco muito elevado


Quando Pascal Marlinge foi executado a sangue-frio, nas terras sem lei do Leste do Chade, na manhã do Primeiro de Maio de 2008, a comunidade humanitária ficou em estado de choque. Pascal era o diretor da ONG Save the Children, enquanto eu me ocupava das Nações Unidas. Lembro-me das inúmeras discussões que mantive na altura, para tentar apreender as razões do crime e tirar as ilações que permitissem um reforço das medidas de proteção dos trabalhadores humanitários.
Sempre considerei a salvaguarda da vida do pessoal de terreno ao serviço da ONU, ou das ONGs nossas associadas, como uma prioridade absoluta. Nos vários países em que fui representante, tinha de responder pela segurança de todos, civis, polícias e militares. Vivíamos, em certos casos, situações em que se mata por dá cá aquela palha. Fui obrigado, algumas vezes, a suspender atividades humanitárias ou de desenvolvimento: o grau de risco para o nosso pessoal era inaceitável. Este tipo de decisões não é fácil de tomar nem é bem aceite pelas organizações que operam junto das populações carenciadas.
Vem isto a propósito dos sete colegas que acabam de perder a vida em Mazar Sharif, no Norte do Afeganistão, quando a sede local da ONU foi atacada por uma multidão. Os manifestantes haviam terminado as orações semanais. A pregação excitara os ânimos à volta de um Corão que teria sido queimado por um fanático cristão, num canto perdido da Florida. O símbolo do mundo ocidental mais próximo era o condomínio das Nações Unidas, que a fúria popular tomou como alvo.
Esta tragédia levanta, de novo, algumas inquietações sobre as missões internacionais civis em ambientes violentos. Primeiro, é preciso repensar a maneira como se protegem as instalações, face a manifestações de massa. O secretariado da ONU considera que forças militares estão preparadas para lidar com esse tipo de confrontos. É um erro. Essas ocorrências exigem um outro tipo de preparação profissional, que é próprio de corporações como a GNR ou o Corpo de Intervenção da Polícia. As missões de manutenção de paz têm de ter mais unidades deste tipo. Em segundo lugar, e apesar dos progressos realizados após os atentados de Bagdade (agosto de 2003) e de Argel (dezembro de 2007), o departamento que, em Nova Iorque, se ocupa de segurança continua a ser dirigido por gente que nunca chefiou uma única missão de terreno. São especialistas vindos dos serviços americanos ou europeus, mas sem experiência dos teatros operacionais, onde a kalashnikov mais ordena. Em terceiro lugar, há que ter a coragem de dizer não à eventual presença de trabalhadores humanitários em zonas onde o nível de risco é muito elevado. Não se deve estar no terreno apenas para que se possa, do ponto de vista político, dizer presente. O impacto é mínimo, o risco é máximo.
Assim acontece, igualmente, com algumas das missões europeias em teatros de crise. Tendo visto o que vi, fico aterrado quando me apercebo que os serviços que gerem a presença externa da UE não fazem análises aprofundadas de risco, antes de despacharem os seus funcionários para o terreno. Nem têm um sistema estruturado e central que se ocupe das questões de segurança do pessoal destacado para áreas perigosas. O meu conselho é que aproveitem as lições aprendidas pela ONU. Talvez alguém possa dar uma palavrinha à Baronesa Ashton sobre a matéria. E àqueles jovens diplomatas, que se sentam nos comités em Bruxelas, e tomam decisões, como quem passa por vinha vindimada.

IN  "VISÃO"
07/04/11

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