Coisas básicas
Ninguém que tenha votado no PS gostou dos últimos PEC. Ninguém gostou de ver anunciar cortes nas prestações sociais e nos salários dos funcionários públicos, nem aumentos de impostos. Obviamente não foi para isso que os eleitores escolheram o PS - os eleitores do PS não defendem o fim do Estado Social, nem a retracção do investimento público, nem a diminuição das garantias em caso de despedimento. Também é óbvio, porém, que ninguém no Governo gostou de propor essas medidas - e é-o tanto mais quanto elas contradizem as que foram adoptadas no início da reacção à crise internacional, e que se caracterizaram por um reforço no investimento público e na contenção dos danos sociais (aqui como noutros países). Foi essa a receita inicialmente apresentada como reacção certa, e é ainda, aliás, a preconizada por economistas de renome como o Nobel Joseph Stiglitz - uma espécie de New Deal. Stiglitz diz que o que se está a passar é um erro que conduz à debilitação crescente das economias, e exaspera-se por os governos estarem a seguir a indicação "dos estúpidos mercados financeiros que nos meteram nos problemas que enfrentamos agora".
Certo é que os "estúpidos mercados financeiros" que causaram esta crise brutal com a sua insaciável cobiça estão mais fortes que nunca e a mudar a configuração político-económica do mundo, forçando um recuo avassalador das garantias sociais e empurrando os países para o liberalismo que em 2009 déramos, et pour cause, como morto. Para estupidez não está mal. É uma teoria da conspiração? É. Mas ninguém que tenha visto o documentário Inside Job a despede como hipótese.
O aumento exponencial dos juros aplicados aos empréstimos de Portugal e as sucessivas alterações do rating da dívida tanto podem assim ser uma irracionalidade ou a racional determinação de um percurso. E se a forma de reagir a isso tem sido ela sim completamente estúpida, inserido na Europa e comprometido com objectivos de redução do défice, Portugal isolado não podia fazer muito. É humilhante e deprimente, mas nas circunstâncias não há grande margem de manobra. E isso é tanto mais óbvio quanto não vimos nenhum dos partidos que chumbou o PEC IV apresentar alternativas - a não ser que "isto não pode ser" ou "não se podem pedir mais sacrifícios aos portugueses" sejam alternativas viáveis. Tanto assim é, aliás, que o Governo caiu não tanto pelo conteúdo das propostas deste PEC mas por não as ter discutido previamente com o PSD nem as ter apresentado ao PR (omissões discutíveis mas, no contexto, compreensíveis). Tanto assim é que sabemos que, ao contrário do PS, o PSD, a ser governo, aplicará, e aí com todo o gosto, medidas muito mais penalizadoras das chamadas garantias sociais. É esse o seu programa e é esse o programa "dos mercados". Só falta darmos-lhe o aval.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/03/11
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