28/01/2011

RUI ALPALHÃO

                        




O chinês que há em nós 
    (ou ir para fora 
               cá dentro)



A República Portuguesa entrou na Novo Ano com as Finanças em mau estado.

A aprovação do Orçamento para 2011 (o 37º deficitário consecutivo, uma série que só empalidece perto da das vitórias do Futebol Clube do Porto de Villas-Boas) foi difícil e pareceu comprometida até perto da hora da votação. Na passagem do ano, a Dívida Pública representava mais de 90% do PIB, qualquer coisa na casa dos 150 mil milhões de euros. Sem grande surpresa, os potenciais tomadores da dívida portuguesa foram manifestando vontade continuada de se manterem tomadores - a boa notícia - mas desde que dotados de uma recompensa acrescida para a possibilidade de incumprimento - a má notícia. Ao contrário do que muitos parecem pensar, os "mercados" não conspiram contra Portugal, até porque boa parte dos que neles dão ordens não sabem sequer onde fica. Sabem os números: o "stock" de dívida, o PIB, a trajectória orçamental, e decidem em conformidade. Há, nos "mercados", outras oportunidades melhores; países com orçamentos mais equilibrados, dívidas públicas menores relativamente aos respectivos produtos. Os "mercados" emprestam mais barato a estes. Tal e qual como outros "mercados" oferecem mais pelo Cristiano Ronaldo do que pelo Franck Ribery (aqui a "conspiração" é a nosso favor). O CR7 marca mais golos, faz mais assistências, vale mais. A dívida portuguesa, por razões análogas, vale menos.

A perda de valor da dívida portuguesa é um problema sério. Com orçamentos deficitários como os nossos, a dívida continuará a subir a menos que a República tome a decisão de vender activos. Como as últimas emissões nacionais de dívida pública consolidada - isto é, que nunca é amortizada - foram feitas durante a Segunda Guerra, em 2011 a República terá de ir aos "mercados" levantar dinheiro para reembolsar emissões que atingem a maturidade com emissões novas. Pode ser que o consiga, mas a um preço bem superior ao que pagou pelas emissões que reembolsará.

Pode, também, acontecer que os "mercados" pura e simplesmente não tomem dívida portuguesa a nenhum preço razoável. Retomando a analogia com o mercado de futebolistas, este seria o momento do fim da carreira do craque, chegado a um ponto em que nenhum clube "razoável" lhe propõe contrato. Segue-se uma carreira de treinador, dirigente, comentador ou algo mais imaginativo. A República, no entanto, não pode pendurar as botas: tem de continuar a jogar para pagar as contas. Ciente disso, o Governo tem reinvindicado perseverança e mostrado aversão séria a financiamentos fora dos "mercados", junto de mecanismos internacionais que Portugal integra, aos quais já recorreu no passado e cuja razão de ser é precisamente proporcionar alternativas aos emitentes soberanos que os "mercados" rejeitam. Pelo contrário, tem mostrado grande apetência pela busca de mercados alternativos, e mais remotos: China, Brasil, Líbia, até mesmo o pequeno Timor Leste. Algo como o craque da bola que, não conseguindo já um contrato na Europa, segue para o Médio Oriente para fazer uma ou duas bem remuneradas épocas. Porém, não há bela sem senão: o craque em decadência terá de se confrontar, jogo após jogo, com o seu passado, e a comparação será penosa. Por isso, muitos campeões poupam-se a estes dourados exílios. Também para a República a colocação da nossa dívida em "mercados" exóticos não será isenta de escolhos, pois no Oriente os almoços também não são grátis.

A alternativa que resta é um pouco mais de imaginação. O tomador mais natural da dívida pública portuguesa no seu estado actual não é o "mercado", que tem muitas alternativas melhores, nem os exóticos "mercados" alternativos que tão afanosamente temos visitado, mas o nativo deste jardim à beira-mar plantado. O nativo já provou no passado que toma dívida pública consolidada, e que recebe subsídios de Natal em certificados de aforro não imediatamente mobilizáveis. Fá-lo com a suavidade de quem não reage a Planos de Estabilidade e Crescimento à pedrada, como em algumas tragédias gregas.

Uma alternativa que o nativo ainda não provou e que, salvo melhor opinião, valeria a pena considerar, é a tomada de obrigações indexadas ao crescimento do seu jardim, o que os "mercados" - e o Fundo Monetário Internacional - designam GIB (o acrónimo inglês de "growth-indexed bonds"). Esta dívida pública distingue-se da tradicional por ser indexada ao crescimento do seu emitente. Sem prejuízo de sofisticações, o seu cupão é variável, com uma base fixa não muito alta à qual é acrescido, em cada ano, um "spread" dado pela diferença entre a taxa de crescimento do PIB desse ano e a média, digamos, das taxas de crescimento dos últimos vinte anos. Assim, se o PIB cresce mais, os tomadores recebem mais, se cresce menos, ou decresce, recebem menos. Convém definir uma remuneração mínima de zero, não vá o ano correr mal. Quer-me parecer que há por aí gente para tomar títulos destes sem ficar com os ollhos em bico.

Professor Auxiliar, IBS

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
25/01/11

2 comentários:

Nanna d'Andrade disse...

Caro Dr. Rui Alpalhão,
Uma palavra sobre este blog: fantástico!

Sandra Coelho da Silva(da criativa Margueira SGFII)

Anónimo disse...

Alguem que meta este senhor no governo!