13/01/2011

ALMORRÓIDA DESPESISTA


Derrapagens pagavam 
troço do TGV

por Carlos Diogo Santos e Rui Marques Simões

Se o Estado tivesse cumprido os orçamentos de algumas das grandes obras públicas da última década, teria poupado 1393 milhões de euros, o suficiente para pagar o troço de alta velocidade entre Poceirão e Caia. De resto, só as derrapagens nas concessões rodoviárias do Norte e Oeste - 319 milhões - seriam suficientes para suportar o projecto do Metro Mondego.

O projecto ferroviário de alta velocidade é uma das maiores polémicas da política nacional nos últimos anos. Motivo de discórdia entre esquerda e direita, o TGV tarda em arrancar devido à débil situação económica do Estado. Mas tudo podia ser diferente. Segundo contas do DN, o valor perdido nas derrapagens das grandes obras na última década (1393 milhões de euros) chegava e sobrava para pagar o contrato da primeira etapa do projecto, o troço Poceirão-Caia (1349 milhões de euros).
Progressivamente, o TGV foi saindo dos carris. Os projectos de ligações Porto-Vigo e Porto-Lisboa cedo acabaram suspensos e mesmo o primeiro troço, Poceirão-Caia, cujo contrato foi assinado em Maio do ano passado, está em banho-maria à espera da aprovação do Tribunal de Contas. Na cabeça de muitos dos contestatários da obra ecoa a pergunta: "Onde é que Portugal ia arranjar dinheiro para pagar, sequer, esta obra?" A resposta podia estar ali perto, nas outras grandes obras públicas, da última década, que foram apresentando grandes derrapagens de custos.
O DN fez as contas: somando os custos acima do previsto nas obras das auto-estradas sem custos para o utilizador (Scut, 838 milhões de euros), dos estádios municipais do Euro 2004 (187 milhões), da Linha Amarela do Metro de Lisboa, Campo Grande-Odivelas (127 milhões), do Aeroporto Francisco Sá Carneiro (93 milhões), da Casa da Música (69 milhões), da Ponte Rainha Santa Isabel (38 milhões), do Túnel do Terreiro do Paço (29 milhões) e do Túnel do Rossio (12 milhões) chega-se aos tais 1393 milhões.
Estes investimentos - em redes viárias e recintos de espectáculos (culturais e desportivos) - foram de algumas das mais emblemáticas obras públicas da última década (ver infografia à direita). Mas não escaparam ao pesadelo das derrapagens. Nem às críticas do Tribunal de Contas. O caso específico das Scut (só uma é que não derrapou - ver texto nas páginas seguintes) preenche a maior fatia do bolo. Mas há mais. Nos estádios municipais do Europeu de Futebol 2004 (Braga, Guimarães, Aveiro, Coimbra, Leiria e Faro/Loulé), houve "uma estimativa inicial de custos bem distante da realidade", criticou a auditoria do TC, questionando mesmo se "o elevado montante de apoios públicos concedidos aos clubes não poderia ter tido uma utilização mais eficiente noutras áreas de relevante interesse e carência pública". Análises semelhantes tiveram quase todas as outras obras públicas com desvios de custos volumosos. Por exemplo, o projecto da Linha Amarela do Metro de Lisboa, começado em 1998 mas só concluído em 2005, foi arrasado pelo sua "suborçamentação" e "défice crónico".
Já as empreitadas de ampliação do Aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto), modernização e reabilitação do Túnel do Terreiro do Paço (Lisboa), e construção de Casa da Música (Porto), Ponte Rainha Santa Isabel (Coimbra), Túnel do Rossio (Lisboa) foram agrupadas pelo TC como um top 5 exemplar da "má prática que é generalizada em Portugal, pelo menos neste domínio das obras públicas realizadas por gestão directa". Este jackpot de problemas levou mesmo os juízes da entidade presidida por Guilherme d'Oliveira Martins a recomendarem a criação de um observatório para controlar as derrapagens nas obras públicas.

Auto-estradas pagavam Metro Mondego

As grandes derrapagens chegavam para pagar o primeiro troço da linha de alta velocidade, mas as contas do DN ainda têm espaço para outro número... e outra obra sobre carris. Os gastos acima do esperado em obras nas auto-estradas do Norte e do Oeste (319 milhões de euros) chegavam para pagar o projecto do Metro Mondego (300 milhões de euros), que foi suspenso recentemente pelo Governo, causando uma grande onda de contestação na zona de Coimbra e Lousã.
Segundo o relatório de auditoria do Tribunal de Contas, no caso concreto da Concessão do Norte (A7) o valor da derrapagem atingiu os 280 milhões de euros, resultantes de alterações e sobreposições de traçados. Já no que diz respeito à Concessão Oeste (A8) esse valor não foi tão elevado. Apenas 39,1 milhões: 24 com os "encargos do lanço CRIL/Loures" e 15,1 milhões de euros com "alterações unilaterais", "atrasos na disposição de terrenos", "efeitos adversos da pluviosidade" e "iluminação dos nós existentes". Fossem problemas expectáveis ou não, enquanto houver derrapagens, o País não andará sobre carris.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/01/11

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