13/12/2010

PEDRO NORTON








Dúvidas e inquietações

Vão-se multiplicando, de forma mais ou menos explícita, as referências a uma suposta influência crescente da Maçonaria nos seio dos grandes partidos do regime


1 - Em 1935, a 19 de janeiro para ser mais exato, o deputado José Cabral apresenta, na Assembleia Nacional, o Projeto de Lei n.º 2. A ideia, só aparentemente escondida atrás da expressão hipócrita "associações secretas", era, muito prosaicamente, liquidar a Maçonaria Portuguesa. Significativamente, no preâmbulo do referido projeto afirma-se que as ditas associações secretas "estão contaminando a sociedade nos seus mais essenciais elementos, corrompendo o Estado, por uma ação dissolvente sobre os seus órgãos e comprometendo, por vezes, a honra e a vida dos seus melhores servidores".

A proposta motivou, pelo menos, duas importantes reações públicas. Em 4 de fevereiro de 1935, Fernando Pessoa publica, no Diário de Lisboa, um ataque violento ao Projeto do "Sr. José Cabral, que, se não é dominicano, deveria sê-lo, de tal modo o seu trabalho se integra, em natureza, como em conteúdo, nas melhores tradições dos Inquisidores."

Alguns dias antes, em 31 de janeiro desse mesmo ano de 1935, o general Norton de Matos (meu tio-bisavô), Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, dirigira já ao presidente da Assembleia Nacional, José Alberto dos Reis, uma carta aberta onde faz uma defesa frontal e corajosa da Maçonaria Portuguesa. É uma missiva curta, clara e incisiva em que procura demonstrar que o epíteto "sociedade secreta" não é aplicável à instituição de que se diz "chefe" e em que passa em revista os princípios e a moral que servem de "eterna norma" à Maçonaria. Retenho, em particular esta passagem: "Mandam-nos os preceitos maçónicos que tenhamos sempre para as crenças puras e convicções sinceras dos nossos semelhantes uma dignificadora tolerância, que afirmemos sempre a liberdade de consciência e de pensamento, que reprovemos todas as perseguições de natureza religiosa ou política, todas as injustiças, todas as violências, todas as humilhações, todos os atentados contra a dignidade do homem. (...) Cada Maçon, individualmente, tem por supremo fim fugir da escravatura voluntária, quer ela se apresente sob qualquer dos pontos de vista material, moral ou intelectual."

2 - Pouco mais sei acerca da realidade maçónica. A bem dizer, sou um ignorante na matéria. E assim sendo, no lugar de certezas, tenho só dúvidas e inquietações. Mas essas, não posso escondê-lo, tenho-as e tenho-as de forma crescente. À medida que, na Imprensa, se vão multiplicando, de forma mais ou menos explícita, as referências a uma suposta influência crescente da Maçonaria no seio dos grandes partidos do regime, à medida que vejo o seu nome, justa ou injustamente, associado a interesses, a negócios, a nomeações, a demissões e até a espiões, pergunto-me quem andará, neste Portugal de 2010, mais longe da verdade: se os que acreditam, como acreditava o meu tio-bisavô, que os maçons se esforçam "por constituir em cada país uma elite, sob o ponto de vista moral e cultural", se os que defendem, como defendia José Cabral e a sua lei de má memória, que a Maçonaria está "contaminando a sociedade nos seus mais essenciais elementos, corrompendo o Estado, por uma ação dissolvente sobre os seus órgãos e comprometendo, por vezes, a honra e a vida dos seus melhores servidores". 

IN "VISÃO"
01/12/10

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