O Governo Provisório da República Portuguesa foi o directório que, após a proclamação da República Portuguesa em 5 de Outubro de 1910, ficou encarregue de dirigir superiormente a Nação até que fosse aprovada uma nova Lei fundamental. O Governo Provisório manteve-se em funções até à aprovação da nova constituição (a Constituição de 1911), em 24 de Agosto de 1911, dando por encerrados os seus trabalhos e auto-dissolvendo-se a 4 de Setembro, quando deu lugar ao primeiro Governo Constitucional, chefiado por João Pinheiro Chagas.
Constituição do Governo Provisório
Dado que o golpe de Estado que pôs cobro ao anterior regime se ficou a dever exclusivamente á acção revolucionária (ou subversiva, atendendo ao ponto de vista) do Partido Republicano Português, foi por elementos deste partido que se compôs exclusivamente o governo provisório.
De facto, o golpe havia sido decidido no Congresso do Partido em Setúbal em Abril de 1909. O novo directório, composto pelos nomes menos radicais (Teófilo Braga, Basílio Teles, Eusébio Leão, Cupertino Ribeiro e José Relvas) recebeu do congresso o mandato imperativo de fazer a revolução. Os nomes mais radicais ficaram encarregues das funções logísticas na preparação da revolução. O comité civil era formado por Afonso Costa, João Chagas e António José de Almeida. À frente do comité militar ficou o almirante Cândido dos Reis.[1] Foi deste conjunto de nomes já conhecidos do eleitorado republicanao que sairam a maior parte dos elementos do Governo Provisório.
Presidiu a esse Governo, o velho e respeitado Teófilo Braga; o governo como anunciado a 5 de Outubro deveria ser constituido por:
- António José de Almeida (na pasta do Interior, antigo ministério do Reino);
- Afonso Costa (na Justiça e Cultos);
- Basílio Teles(nas Finanças);
- Bernardino Machado (nos Estrangeiros);
- António Luís Gomes (no Fomento);
- coronel António Xavier Correia Barreto (na Guerra);
- comandante Amaro Justiniano de Azevedo Gomes (na Marinha).
A constituição do Governo Provisório sofreu algumas mudanças imediatas, pois, Basílio Teles – um dos históricos do partido, recusou o cargo(havia sido convidado para o interior e acabaram por nomeá-lo para as finanças). Assim, em 12 de Outubro de 1910, Basílio Teles foi substituído no ministério das Finanças por José de Mascarenhas Relvas.[2] António Luís Gomes, outro dos nomeados, foi entretanto ocupar o lugar de Ministro de Portugal no Rio de Janeiro, saindo do governo em 22 de Novembro de 1910, discordando dos comités carbonários que pretendiam demitir inúmeros funcionários, encarregando-se Brito Camacho do Ministério do Fomento (22 de Novembro de 1910).
Primeiras Medidas
Foi ordenada a dissolução dos partidos monárquicos e a proibição de constituição de partidos defensores daquele regime, bem como a de quaisquer centros, grémios ou associações desse carácter.
Publicou uma Lei de amnistia geral para crimes contra a Religião (havia republicanos indiciados em vários crimes), a segurança do Estado (para ilibar os regicidas e os bombistas), a desobediência, o uso de armas e bombas proibidas, declarando beneméritos da pátria todos os que haviam lutado para estabelecer a República.
Logo no primeiro dia completo de República, Afonso Costa, Ministro da Justiça do Governo Provisório, requisitou ao Juiz Almeida e Azevedo os quatro volumes do processo do Regícidio de 1908, que estava marcado para ir a Juízo a dia 25. O processo ficou guardado no ministério, perdendo-se depois disso o rasto ao documento.
Á parte destes decretos mais urgentes, coube ao governo provisório a iniciativa de promover a formação de uma assembleia constituinte que elaborasse uma nova constituição.
A Assembleia Nacional Constituinte
A Assembleia Nacional Constituinte foi eleita num sufrágio em que só houve eleições em cerca de metade dos círculos eleitorais. Não havendo mais candidatos do que lugares a preencher em determinada circunscrição eleitoral, aqueles eram proclamados "eleitos" sem votação. Isto devia-se ao facto de o Partido Republicano, dado que estava no poder, poder controlar as eleições mercê das características do sistema existente, pelo qual o partido no poder ganhava sempre as eleições que organizava. Além disso, devida á dissolução e proibição da existência de partidos monárquicos, concorria sem oposição. Nas palavras de Rocha Martins: “as primeiras eleições da República eram singulares. Não havia listas de oposição, mas celebravam-se como uma vitória. Não eram eleições, mas nomeações no meio de manifestações ruidosas”.[3]
O sufrágio universal foi afastado, tendo votado apenas os cidadãos alfabetizados e os chefes de família, maiores de 21 anos.[4] Tratou-se de um sufrágio onde, pela primeira vez, se utilizou o método da representação proporcional de Hondt na conversão dos votos em mandatos, embora apenas nas cidades de Lisboa e Porto.
Para além da elaboração e aprovação da Constituição, concluída a 21 de Agosto de 1911, a Assembleia Constituinte discutiu e aprovou projectos de lei sobre os mais variados assuntos, confirmou os poderes do governo provisório, acompanhou e fiscalizou a sua actuação, assumindo assim poderes que a tornam no primeiro parlamento efectivo da República. No entanto, a iniciativa e responsabilidade pelas grandes reformas que visavam reestruturar o País de acordo com os ideais laicos, republicanos e democráticos coube ao Governo Provisório, que promulgou uma nova série de decretos.
Reformas do Governo Provisório
Foi a este conjunto de decretos que que se ficou a dever a obra legislativa mais notável e revolucionária de toda a I República, e embora contivessem medidas á época bastante avançadas e modernas, não só para o país como mesmo em comparação com o resto da Europa, o modo arbitrário (por decreto) e intransigente como foram levadas a cabo, provocaram a alienação de vários sectores da população, condicionaram toda a história da 1º República e em última análise o seu desfecho.
Aprovada a redacção definitiva da lei do divórcio em 31 de Outubro e, por decreto de 31 de Outubro, protecção dos filhos ilegítimos e Lei do divórcio a 3 de Novembro.
Regulamento da greve e do lock out, da autoria de Brito Camacho, em 6 de Dezembro: garantido aos operários, bem como aos patrões o direito de se coligarem para cessação simultânea do trabalho. O diploma foi inspirado na legislação espanhola e os sindicalistas logo lhe chamam o decreto burla.
Publicou ainda as Leis da Imprensa (removendo em teoria quaisquer entraves é liberdade de imprensa) e a Lei do Inquilinato.
Reorganizou a administração da justiça, alterando o Código de Justiça Militar;
Em 14 de Outubro é restabelecido o código administrativo de Rodrigues Sampaio de 1878
Procurou aumentar as receitas fiscais, procedendo à revisão dos impostos e à reformulação do Tribunal de Contas.
Reorganiza-se o exército de acordo com os moldes republicanos:De 13 de Outubro de 1910 a 31 de Dezembro de 1911, apenas são demitidos 30 oficiais, enquanto 6 desertam. Grande parte dos restantes decidem inscrever-se nas folhas de adesão à República. Procedendo à criação de um corpo miliciano facilmente mobilizável em caso de guerra, coexistindo paralelamente ao exército profissional e permanente, como corolário da ideia do serviço militar obrigatório (que seria inclusivamente designado como um dever dos cidadãos pela Constituição de 1911 – art.º 68.º). A criação desta Guarda Nacional Republicana, na sua implantação rural, servia também para vigiar o campesinato, considerado tendencialmente conservador.
Instituiu um Crédito Agrícola, procurando resolver a crise da agricultura.
Decreto eleitoral de 14 de Março. Para desespero dos monárquicos adesivos, nomeadamente dos dissidentes progressistas, não se mantem a lei eleitoral de 1884, como esperavam. Pelo contrário, a nova lei mantem o estilo proteccionista do poder governamental introduzido pela Lei de 1901. Isto garantirá a manutenção no poder do Partido Republicano.
Revogados os artigos do código penal de 1886 que estabeleciam crimes contra a religião, por decreto de 15 de Fevereiro.
A Lei de Separação da Igreja e do Estado em 20 de Abril. Os respectivos defensores (o seu grande campeão era Afonso Costa) chamar-lhe-ão Lei Intangível, os adversários, Lei Celerada[59]. A maioria dos padres mantém-se fiel à hierarquia episcopal. Em 7 de Agosto, só 217 deles tinha aceite pensões do Estado[60]. Este diploma vai levar ao rompimento das relações com a Santa Sé.
Foi esta lei, bem como várias outras medidas, que causaram grandes perturbações ao longo dos anos seguintes e contribuiram para o afastamento da República e dos Católicos.[5]
Entre essas outras medidas contam-se: Em 8 de Outubro foi reposta em vigor a legislação pombalista de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767 sobre a expulsão dos jesuítas e a legislação de 28 de Maio de 1834 que extinguia as casas religiosas e todas as ordens regulares;
Proibição das procissões fora dos perímetros das igrejas,
Por decreto de 22 de Outubro, suprimido o ensino da doutrina cristã nas escolas primárias, substituindo-a pela educação cívica.
Estatização dos bens do clero.
Decreto sobre as associações religiosas, de 31 de Dezembro. Os respectivos membros não podem exercer o ensino nem usar em público hábitos talares, sob pena de prisão "por toda a pessoa do povo".
Regresso a um Governo Constitucional
O Governo Provisório manteve-se em funções até à aprovação da nova constituição (a Constituição de 1911), em 24 de Agosto de 1911, dando por encerrados os seus trabalhos e auto-dissolvendo-se a 4 de Setembro, quando deu lugar ao primeiro Governo Constitucional, chefiado por João Pinheiro Chagas. Após a aprovação da Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte elegeu o primeiro Presidente da República por sufrágio secreto e transformou-se no Congresso da República, desdobrando-se na Câmara dos Deputados e no Senado, nos termos previstos nas disposições transitórias do texto constitucional de 1911. O mandato destas duas Câmaras terminou com a eleição, em 1915, do Congresso da República nos moldes previstos na Constituição.
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