1, 2, 3 diga lá outra vez?
Partilho daquela máxima do poeta norte-americano Ogden Nash que nos ensina a estar calados quando temos razão e a admitir os erros quando os cometemos. Não é fácil. Como somos um povo demasiado emocional, gritamos muito quando achamos que estamos certos e também vociferamos demais quando a razão não está do nosso lado. Por isso, nunca se percebe muito bem quem está errado e quem está certo. Normalmente e como sabiamente diz a vox populi, todos ralham e ninguém tem razão. E a culpa, essa, quase sempre morre solteira, porque os culpados são sempre uma qualquer entidade abstracta a quem não se pode pedir responsabilidades. Este tipo de comportamento gera o caos e a incredulidade dos cidadãos uns nos outros e no sistema. Gera desconfiança e afastamento. E uma sensação de total anarquia.
Não confiamos nos políticos porque temos a percepção de que cada qual faz o seu jogo com o único fim de alcançar o poleiro. Não confiamos na administração pública porque é lenta e não nos resolve os problemas. Não confiamos nos professores porque estes se recusam a ser avaliados. Não confiamos nos transportes públicos porque nunca chegam a ho-ras. Não confiamos na saúde porque são demasiados os casos de negligência e de espera nos hos- pitais públicos e até de existência de clínicas que abrem de forma clandestina em qualquer ponto do País. Não confiamos nos jornais e nas televisões porque a informação deixou de ser séria. E até no futebol desconfiamos da arbitragem quando a nossa equipa perde apenas e só porque jogou mal.
Mas o pior problema é o da falta de confiança na justiça. Já se escreveram rios de tinta sobre esta questão, mas não posso deixar de a referir tendo em conta o desfecho do julgamento da Casa Pia. Sei, tal como a maioria dos cidadãos deste país, que a justiça não funciona como todos gostaríamos que funcionasse. Que os processos levam anos a decidir, que os tribunais estão entupidos, que não há gente suficiente e que, na maioria da vezes, as sentenças chegam tarde e a más horas. Mas, neste caso, não tenho qualquer dúvida de que os únicos que perdem a razão são os que, condenados por crimes de pedofilia, em primeira instância, e aguardando recurso em liberdade, foram para a televisão, especialmente para a RTP, vociferar alto demais. Ver Carlos Cruz a defender-se na televisão, com todo o tempo de antena, e usando do mesmo registo de comunicação com que conduzia os concorrentes do concurso 1, 2, 3 a aceitar o prémio certo ou errado, faz-me acreditar na justiça e leva- -me a desconfiar da ética e dos valores que andam por aí à solta.
in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/09/10
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