19/09/2010

HELENA GARRIDO




Cuidado com o pior cenário

As características da recuperação europeia recomendam, neste momento, uma especial atenção para a possibilidade de Portugal enfrentar um cenário de taxas de juro mais altas quando ainda está a reduzir o défice público, com impostos ainda elevados e despesa pública com cortes mais sérios, e quando a retoma continua sem sinais de vitalidade.

O BCE poderá ter de aumentar as taxas de juro, ou seja, apertar a política monetária, antes de economias como Portugal, Grécia, Espanha, Itália e Irlanda terem saído de forma clara e fortalecida do seu estado de moribundas com dieta orçamental obrigatória.

Em linguagem de economistas, o que se perspectiva é uma combinação das políticas orçamental e monetária para estas economias ditas periféricas ainda mais restritiva e, como tal, desajustada das suas necessidades.

O BCE decide a sua política monetária que, de forma simplista e palpável, corresponde à evolução das taxas de juro, em função do que se passa no conjunto da Zona Euro. Mas o espaço do euro tem países com muito mais peso. Basta a Alemanha registar, como acontece, um elevado dinamismo para que as pressões inflacionistas se comecem a desenhar no horizonte e o banco central opte por aumentar as taxas de juro.

Há um outro aspecto que, não pesando formalmente na decisão do BCE, pode contribuir para ele abandonar esta fase de taxas de juro historicamente baixas e que tem a ver com a banca. Os testes de stress revelam que alguns bancos registam até melhorias nos seus rácios de solvabilidade - aquilo que mede a solidez de um banco - quando submetidos ao "stress" do aumento das taxas de juro. A razão é muito simples: aquilo que têm de pagar pelos recursos que captam junto dos clientes sobe muito mais devagar do que aquilo que cobram a quem lhes deve dinheiro - empresas e famílias. Este aumento da margem do negócio, em bancos de alguns países em que se inclui Portugal, é de uma tal dimensão que compensa as perdas que terão por incumprimento das dívidas.

Um país como Portugal, sem qualquer peso na Zona Euro, tem de estar preparado para a possibilidade de as taxas de juro começarem a subir antes de ser essa a terapia certa para a economia portuguesa. Teoricamente, e de acordo com o que foi a arquitectura do euro, uma situação destas de desajustamento da política monetária às necessidades do país deveria ser compensada pela política orçamental. Ou seja, o BCE aumentava as taxas de juro porque era necessário para a Zona Euro e Portugal ou qualquer outro país que ainda não estivesse preparado para isso usava a política orçamental - reduzindo impostos ou aumentando despesa - para compensar o aperto da política monetária. Nem é preciso dizer mais nada já que estamos todos cansados de saber que as contas públicas portuguesas são uma fonte de problemas e não de soluções. Não podemos esperar dessa frente do Orçamento uma ajuda para anular o efeito de uma terapia vinda de Frankfurt que, sendo adequada ao todo, não é a certa para uma das partes.

O que nos resta? Cada um de nós, individualmente, tem de se preparar para o tal pior cenário, de aumento das taxas de juro antes da retoma. Temos de poupar para reduzir o peso das nossas dívidas antes de elas se tornarem mais caras.

in"JORNAL DE NEGÓCIOS"
17/09/10

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