Juízes refutam tese de plano dos jovens
Antes do intervalo para almoço na leitura do acórdão, os juízes refutaram a tese, avançada pelos representantes dos arguidos, de que os jovens da Casa Pia urdiram um plano para incriminar pessoas inocentes. "O que vemos é uma situação com educandos que, em certos casos, nem se conhecem", disse a juíza Ana Peres.
Outro argumento utilizado pelo colectivo foi o facto de um tal conluio implicar "uma capacidade intelectual e de sofisticação" nada habitual
em adolescentes como as testemunhas deste processo.
Para a decisão do colectivo, anunciada pela juíza Ana Peres, pesou igualmente o facto de os testemunhos não se fundarem numa história comum. Pelo contrário, tratam-se de "situações que se ramificaram por locais diferentes
e com abusadores e abusados diversos".
Da parte da tarde os juízes vão analisar a credibilidade de cada uma das testemunhas que levaram a que fossem dados como provados crimes de todos os arguidos.
"CORREIO DA MANHÃ"
Pedro Namora defende que “recursos
devem ser esperados na cadeia”
Pedro Namora defendeu hoje, depois de o tribunal ter dado como provado que todos os arguidos do processo Casa Pia praticaram ou favoreceram abusos sexuais a ex-alunos da instituição então menores de idade, que os eventuais “recursos devem ser esperados na cadeia”.
O ex-casapiano, visivelmente emocionado, contou que se comprovaram os crimes contra todos os acusados e que os alunos da Casa Pia que estão dentro da sala de audiências estavam “muito nervosos e emocionados”, assim como Catalina Pestana, antiga provedora da instituição.
Pedro Namora disse ter “nojo ao olhar para a cara dos arguidos” e alertou para a “possibilidade de fugas” ou de reincidência nos crimes que foram dados como provados, caso os eventuais recursos sejam aguardados em liberdade. Ainda assim, salvaguardou a hipótese de não haver condenação, afirmando: “Se não houver condenação é Portugal no seu melhor”.
Nos corredores do tribunal, Bernardo Teixeira, uma das vítimas dos abusos, mostrava-se satisfeito com o que ouviu até agora. “Causa um certo conforto, depois de todos estes anos a nos terem chamado de mentirosos”. "Finalmente sentimos que se está a fazer justiça", reforçou o aluno. "Precisamos de ouvir que eles são culpados, que são mesmo pedófilos", insistiu.
"PÚBLICO"
Casa Pia: factos criminais provados
contra os sete arguidos
O coletivo dos juizes do caso Casa Pia, na leitura do acórdão do julgamento, já deu como provados factos criminais relativos a todos os sete arguidos.
Na leitura dos factos provados, os juízes enfatizaram por diversas vezes que os arguidos agiram sabendo que estavam a violar a lei, conscientes de que estavam a prejudicar o desenvolvimento físico, psicológico e da personalidade das vítimas, cujas idades as impediam de "decidir livremente e em consciência".
Em relação ao apresentador de televisão Carlos Cruz, o tribunal já deu como provadas quatro situações de abusos sexuais sobre menores, sendo que duas ocorreram numa casa na avenida das Forças Armadas, em Lisboa,
e pelo menos uma numa casa em Elvas.
Quanto ao ex-motorista da Casa Pia Carlos Silvino, o tribunal deu como provados abusos ocorridos nas garagens do colégio Pina Manique, em colónias de férias da Casa Pia e no "barracão" onde o arguido vivia, entre outras situações.
O tribunal deu também como provado que Silvino abusou dos três menores que o acusam no processo apenso, entre os quais "Joel",
cujas queixas motivaram a abertura da investigação.
Interrompendo a sessão pelas 12:15, após a leitura dos factos provados, a juíza presidente do coletivo, Ana Peres, anunciou que ainda antes do almoço iria ler a fundamentação do acórdão relativa ao processo apenso, seguindo-se depois do almoço a fundamentação do processo principal,
prevendo que esta demore duas horas.
Em relação ao arguido Hugo Marçal que está pronunciado por lenocínio (fomento à prostituição com fins lucrativos), o tribunal considerou provado que este providenciou uma casa em Elvas, pedida à arguida Gertrudes Nunes,
para que aí decorressem abusos.
Relativamente aos restantes arguidos, o embaixador Jorge Ritto e o médico Ferreira Diniz, os juízes deram também como provados abusos em diversos locais, como uma vivenda no Restelo e uma casa na Alameda Afonso Henriques.
O julgamento do processo de abusos sexuais na Casa Pia chega hoje ao fim com a leitura do acórdão final, quase seis anos depois de ter começado.
O coletivo de juízes presidido por Ana Peres, coadjuvada por Lopes Barata e Ester Santos, está a proferir a decisão sobre a inocência ou culpa dos sete arguidos, acusados de crimes de abuso sexual, ato sexual
com adolescente e lenocínio, entre outros.
O início da sessão, que decorre no Campus da Justiça, em Lisboa, estava marcada para as 09:30, mas começou às 10:48.
Em tribunal respondem os arguidos Carlos Silvino, ex-motorista da Casa Pia, o ex-provedor da instituição Manuel Abrantes, o médico João Ferreira Diniz, o advogado Hugo Marçal, o apresentador de televisão Carlos Cruz, o embaixador Jorge Ritto e Gertrudes Nunes, dona de uma casa em Elvas onde alegadamente ocorreram abusos sexuais.
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O megaprocesso em números
Milhares de horas de sessões, em 460 sessões em tribunal, deram origem a um "monstro" de papel e registos magnéticos. É o julgamento do processo de abusos sexuais na Casa Pia, que após cinco anos e dez meses chega,
finalmente, a uma decisão.
Um verdadeiro "caso de estudo" na Justiça portuguesa - segundo o Conselho Superior da Magistratura - começou a 25 de novembro e 2004 e já passou por quatro tribunais: Boa Hora, Santa Clara, Monsanto e Campus da Justiça.
O estatuto de mega-processo explica números que podem parecer exorbitantes em relação a outros casos: enquanto normalmente o número máximo de testemunhas arroladas para um julgamento é duas dezenas, no processo Casa Pia foram ouvidas 981 pessoas - 920 testemunhas, 32 alegadas vítimas, 19 consultores técnicos e 18 peritos. Organizadas em 273 volumes e 588 apensos, estão mais de 66 mil folhas que o processo acumulou desde que começaram as investigações, mais de 40 mil das quais acumuladas desde o início do julgamento.
Os dossiês incluem quase dois mil despachos proferidos pelo coletivo de juízes liderado por Ana Peres, a única juiza que trabalha exclusivamente no caso desde o começo, coadjuvada por Lopes Barata e Ester Santos.
A acusação, representantes das alegadas vítimas e as defesas dos sete arguidos fizeram ao longo de quase seis anos mais de dois mil requerimentos de todos os tipos: irregularidade, nulidade, inconstitucionalidade, diligências de prova, protestos, oposições, respostas, recursos e incidentes de recusa.
Quanto a recursos, foram interpostos 168 vezes, 83 dos quais na fase de julgamento. Para registar tanto tempo passado na sala de audiências e em deslocações a vários dos locais onde alegadamente se praticaram os crimes sexuais de que os arguidos são acusados, foram usados mais de mil cd e 352 dvd, quase mil cassetes áudio e mais de uma dezena de cassetes vídeo VHS.
Para fazer a súmula dos argumentos da acusação nas suas alegações finais, o procurador do Ministério Público, João Aibéo, precisou de cinco dias inteiros. Aibéo começou a alegar na manhã de 24 de novembro de 2008 e aquela fase do processo só terminou no ano seguinte, a 23 de janeiro de 2009.
Em tribunal respondem por vários crimes sexuais o embaixador Jorge Ritto, o ex-motorista da Casa Pia Carlos Silvino, o ex-provedor adjunto da instituição Manuel Abrantes, o médico João Ferreira Diniz, o advogado Hugo Marçal, o apresentador televisivo Carlos Cruz e Gertrudes Nunes, dona de uma casa em Elvas onde alegadamente ocorreram abusos sexuais de menores casapianos.
"JORNAL DE NOTÍCIAS"
Ana Isabel Peres
Juiz de Direito da 8ª Vara
Tem 49 anos
A juíza que está há cinco anos a presidir ao julgamento da Casa Pia prima pela discrição: quer quanto à sua personalidade, quer em relação à sua carreira na magistratura, onde teve um percurso normal. Depois do Centro de Estudos Judiciários (escola de formação de magistrados), entrou no circuito dos tribunais, tendo passado pela instrução criminal até chegar às varas, onde está actualmente. Colegas, procuradores e advogados são unânimes em atribuir-lhe qualidades como educação, serenidade, ponderação. Mas também há quem considera que tais características levaram a que o julgamento se arrastasse tanto tempo. "Tem dificuldade em dizer não aos advogados, que entupiram o julgamento com testemunhas", disse um juiz.
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Casa Pia: julgamento pode acabar,
mas processo continua
mas processo continua
Ramiro Miguel, advogado de Carlos Silvino, principal arguido do 'processo Casa Pia' , encosta o carro na berma da estrada para falar ao telefone. "Entrei neste processo em 2005", conta ao Expresso, "e lembro-me de ter perguntado a um colega mais velho quando é que ele achava que isto ia acabar. Nunca mais me esqueci da resposta que me deu: Fui avô há pouco tempo e espero que tudo isto
termine ainda em vida do meu neto".
Com a leitura da sentença marcada para sexta-feira (após vários adiamentos), Ramiro Miguel reconhece o exagero. Mas, como os outros advogados, não tem dúvidas de que nada ficará decidido, seja qual for a decisão dos juízes. É pouco provável que qualquer dos arguidos, se for condenado, vá de imediato para a prisão. É possível que os oito anos que já leva o processo possam vir a parecer pouco tempo.
E é certo que haverá recursos. Muitos.Recursos e mais recursos
"Durante muito tempo julguei que o acórdão seria um ponto final, esclarecedor e apaziguador. Mas hoje já não penso assim", admite Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz. "Será apenas mais uma etapa", afirma Sónia Cristóvão, advogada de Hugo Marçal, que abre um pouco a janela para o futuro possível: "Ou a defesa recorre, ou o Ministério Público recorre, ou ambos recorrem. Dessa decisão podem resultar vários cenários, incluindo a remessa do processo à primeira instância". Além dos recursos à sentença, há ainda 41 outros recursos
que terão de ser analisados no Tribunal da Relação.
Paulo Sá e Cunha, advogado de Manuel Abrantes, também não tem dúvidas sobre o movimento processual que resultará da sentença. Ainda assim, lembra, "será feito, pela primeira vez, um juízo concludente sobre a abundante prova produzida". "Mas não será um ponto final". Miguel Matias, que representa as vítimas, aproveita a expressão. "É sem dúvida um ponto, ainda que não final. Mas a decisão de sexta-feira marcará, para sempre, aquilo que vier a seguir e a forma como se encarará tudo.
É a etapa mais importante".
Ninguém arrisca, porém, uma data para a última etapa. Miguel Matias é a exceção. Sem adiantar dia, mês ou ano admite que a apreciação dos recursos não levará tanto tempo como o julgamento. "Consigo vislumbrar um termo para este processo", diz. Todos os outros respondem "Não". "Tenho dificuldade em ver o fim do processo", admite Paulo Sá Cunha, afastando, porém, um cenário de prescrição dos crimes. "Não me parece que seja, presentemente, um risco efetivo".
O estigma da condenação pública
Para Manuel Silva, advogado de Gertrudes Nunes, o fim do processo é tão "imprevisível" como é "humanamente impossível obter uma decisão justa". Oito anos depois de ter sido apresentada a queixa que fez nascer o processo e após seis anos de julgamento, é possível que a justiça seja feita? "Manifestamente não", responde Sónia Cristóvão. "Mesmo a eventual absolvição dos arguidos, que defendo, será tardia e não fará justiça, porque ficará sempre o estigma da condenação pública. Essa condenação já transitou em julgado há muito tempo",
acrescenta a advogada de Hugo Marçal.
Ricardo Sá Fernandes não vai além de um "nunca é tarde para se fazer justiça, muito embora o retardamento da ação da justiça gere novas injustiças". "Os estragos estão feitos. Os arguidos têm a vida arruinada", refere Ramiro Miguel, advogado de Carlos Silvino. O carro ainda está parado na berma da estrada. "Para mim, uma sentença justa é aquela que se revela útil. Neste caso já passou tanto tempo.
Se calhar, demasiado tempo".
"O acórdão não será um ponto final. Certamente haverá recursos"
Paulo Sá e Cunha, advogado de Manuel Abrantes
"Os arguidos já foram condenados publicamente"
Sónia Cristóvão, advogada de Hugo Marçal
"EXPRESSO"
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