15/09/2010

CARLOS FERREIRA MADEIRA


A conspiração do optimismo

Teixeira dos Santos tem de olhar para os números e lutar contra a alucinação. Porque a conspiração do optimismo arruinará Portugal

Uma alucinação estabelece um vínculo forte entre a verdadeira percepção e a falsa realidade. A propósito, eis um diálogo improvável num país lúcido. Diz o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos: "É importante que o sector da saúde saiba gerir os recursos de que dispõe e geri-los em conformidade com os recursos disponíveis." Responde a ministra da Saúde, Ana Jorge: "Estou muito contente porque o senhor ministro das Finanças veio apoiar o que o ministério da Saúde tem vindo a dizer ao longo dos anos."

O equivalente funcional deste diálogo seria este, entre pai e filho: "Zezinho, não podes fazer chichi nas calças." O Zezinho, de fralda molhada, responde: "Tens toda a razão, papá, estamos de acordo. Eu não faço chichi nas calças."

Os prejuízos operacionais acumulados pelos hospitais- -empresa (EPE) atingiram 1,4 mil milhões de euros (nos últimos cinco anos), as dívidas à indústria farmacêutica e às farmácias ultrapassaram os mil milhões de euros e o défice do Serviço Nacional de Saúde (SNS) era de 101 milhões de euros em Junho. São meros pormenores da alucinação. A verdade é que, em face dos números oficiais de Junho de 2009, o défice do SNS cresceu 150 milhões de euros. É claro que Teixeira dos Santos apoia o ministério da Saúde. É por isso, de resto, que afirma: "É sempre mais fácil ter um problema financeiro e pedir ao ministério das Finanças que cubra o problema, essa é a solução mais fácil, mas temos é de ter rigor e disciplina na gestão dos recursos disponibilizados aos serviços."

Qualquer pessoa lúcida pergunta: quem paga a factura e com que dinheiro? Teixeira dos Santos está a contar com 450 milhões de euros, por via dos cortes nos benefícios fiscais, para reduzir o défice. O PSD veta a ideia porque exige ao Estado que corte na despesa e inverta o ciclo de redução do défice à custa do aumento de impostos - o que sucede em Portugal desde 25 de Abril de 1974. E logo cai o Carmo e a Trindade. Cuidado: querem liquidar o Estado Social. E coitadinhos dos portugueses que não sabem viver sem ele. Mas para que serve o Estado Social falido?

Os 15% dos portugueses que pagam 85% do IRS começam a sentir a corda na garganta por causa da loucura redistributiva dos arautos do Estado Social. Acresce à dura realidade que a emissão de dívida pública, colocada quarta-feira, atingiu o nível perigoso de 5,973%. Em Março de 2010, no pico da crise da dívida soberana desencadeada pela Grécia, Portugal pagava 4,171%. Ou seja, por cada 100 milhões de euros, o Estado paga agora seis milhões de juros ao ano. Onde vai o Estado buscar o dinheiro? Na última década, a economia cresceu menos de 1% ao ano e as previsões para o futuro são desanimadoras.

Mas atenção, Sócrates avisou: "Ninguém conte com o PS para alinhar em simulacros e fingimentos, ninguém conte com o PS para ultimatos e crises artificiais e, sobretudo, ninguém conte com o PS para não cumprir os compromissos internacionais ou para pôr mesquinhos cálculos eleitoralistas à frente do interesse nacional." O interesse nacional parece coincidir com uma alucinação colectiva, essa verdadeira conspiração do optimismo. Se o primeiro-ministro diz que "Portugal é o campeão do crescimento económico", é porque deve ser verdade. Percebe-se que José Sócrates queira injectar confiança no país e nos investidores internacionais. Mas a fórmula funciona como um analgésico: trata da dor, não fornece a cura.

Fora da alucinação geral destacam-se os pessimistas. Teixeira dos Santos sabe que a conspiração do optimismo pode acabar com o país. E porquê? Porque tem a verdadeira percepção da verdadeira realidade. 

"i"
13/09/10

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