10/06/2010

JOÃO CÂNDIDO DA SILVA




UM VERÃO COM RENDIMENTOS EXTRA



O proteccionismo foi um dos primeiros perigos de agravamento da recessão que tomaram de assalto as preocupações de alguns economistas e líderes mundiais. Recuaram na História e recordaram os maus exemplos da Grande Depressão dos anos 30 do século XX.

O proteccionismo foi um dos primeiros perigos de agravamento da recessão que tomaram de assalto as preocupações de alguns economistas e líderes mundiais. Recuaram na História e recordaram os maus exemplos da Grande Depressão dos anos 30 do século XX. Mas como já se percebeu que uma crise de excesso de endividamento não pode ser curada com mais dívida, a tentação regressou.

Apelar a que os portugueses passem férias em Portugal para que o défice externo não continue a ser pressionado no sentido ascendente, como fez Cavaco Silva, é uma forma de proteger o sector turístico nacional. Se houvesse dúvidas, a reacção positiva das associações do sector à sugestão do Presidente da República seria suficiente para as dissipar.

No fundo, as palavras de Cavaco retomam o velho "slogan", escutado durante crises anteriores, em que se pedia aos portugueses para consumirem produtos fabricados no País. Mas agora, em vez de bens, está em causa o reforço do consumo de serviços nacionais, que sucederia se quem está a ponderar fazer férias no estrangeiro cancelasse os seus planos e decidisse rumar a uma estância balnear localizada em território luso.

Como notou o ministro da Economia, a táctica de Cavaco Silva para reduzir o défice externo apenas teria resultados positivos caso os países de origem dos turistas que visitam Portugal não adoptassem, de forma eficaz, a mesma linha de recomendações aos seus cidadãos. O que se ganharia com uma mão acabaria por ser retirado com a outra, e o saldo final poderia ser mais prejudicial para as contas externas portuguesas do que deixar as decisões individuais funcionar, sem intervenções destinadas a tentar influenciá-las.

A verdade é que, na conjuntura actual, pouco ou nada funciona como incentivo a que os portugueses viagem para fora, ainda para mais quando as estatísticas revelam que, mesmo em tempo de vacas gordas, é reduzida a percentagem da população que admite ter rendimentos suficientes para pensar a sério em desfrutar desse luxo. Por esta altura, as famílias sabem que a taxa de desemprego vai manter-se elevada, assim como não desconhecem que terão de pagar mais impostos e que os seus rendimentos terão poucas probabilidades de registar aumentos reais.

Perante estes factores e as perspectivas de crescimento económico praticamente nulo no curto prazo, os apelos para ficar em Portugal e desistir de eventuais férias no estrangeiro parecem redundantes. Quando a confiança no futuro encolhe, gastar menos e poupar mais acaba por se impor como regra de comportamento prudente. Esta é uma realidade que os números já revelavam, ainda antes de o Presidente da República se ter envolvido em polémica com Vieira da Silva sobre as virtudes e os inconvenientes macroeconómicos de os portugueses ficarem em Portugal ou partirem, de malas aviadas, para outras paragens.

Face à probabilidade de a maioria das famílias se quedarem, neste Verão, por Portugal, a questão será a de saber que regiões do País mais beneficiarão. A soma da prolongada crise do País com a crise que vem de fora faz desconfiar que os concelhos de residência das famílias terão rendimentos extra durante os meses quentes de 2010.
in "JORNAL DE NEGÓCIOS" 08/06/10

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