12/05/2010

PAULO FERREIRA



Aos ziguezagues

Título da última "The Economist", em tradução livre: "Chegando a uma cidade perto de si?" Imagem: jovens que engrossam uma manifestação com milhares de pessoas a arremessar pedras e tudo o que têm à mão contra as autoridades que tentam controlar os danos em Atenas, capital da Grécia. Debalde: o caos está instalado. O que o título daquela prestigiada revista nos quer dizer é: isto pode acontecer, um destes dias, na capital do seu país. Nós, portugueses (e o espanhóis e os irlandeses), sabemos que é verdade.

As crises trazem sempre à tona o velho lema segundo o qual os políticos são muito melhores a adiar decisões do que a tomá-las. Esta não fugiu à regra. É bem verdade que a instabilidade dos mercados financeiros e o efeito de contágio que esta crise em particular carrega tornam difícil saber hoje o que pode acontecer amanhã. Mas isso apenas sustenta com particular relevância a necessidade de traçar uma estratégia clara para contornar as adversidades. É isso que o Governo tem feito? Infelizmente, não é.

Colocado perante a pressão dos mercados, dos especuladores e dos países mais fortes da União Europeia que temem que o euro possa soçobrar, o Executivo português tem usado a perigosa estratégia do ziguezague. O que é hoje verdade incontornável pode ser amanhã um facto maleável. Os exemplos abundam: falar, há muito pouco tempo, de travagem nas obras públicas era, para Sócrates, uma heresia. Deixou de ser. Tocar ao de leve na possibilidade de aumentar os impostos para ganhar receita constava, há muito pouco tempo, na lista das medidas execradas pelo Executivo. Já não consta. Colocar como mera suposição a hipótese de reduzir pontualmente os salários era, há muito pouco tempo, o inferno. Hoje parace (sublinho: parece) que já não é...

Isto, que não é bonito, tem uma consequência: a cabeça dos portugueses anda à roda com tanto ziguezague, quando o que faria todo o sentido seria que a cabeça dos portugueses estivesse firme e consciente de que será necessário um gigante esforço de todos para sair do sítio em que estamos.

Como se faria uma coisa dessas? Talvez usando o horário nobre das televisões e, de uma só vez, dizer aos portugueses qualquer coisa deste género: o Governo tem um plano A, que é este; se não chegar, avançamos com as medidas B; e, no caso de extrema necessidade, somaremos as medidas C. Esta clareza teria a vantagem, a enorme vantagem de colocar o problema nas suas reais dimensões. Assim, continuamos todos com a sensação de que, como titula a "The Economist", um dias destes a coisa chega a uma cidade perto de nós.

"JORNAL DE NOTÍCIAS"
11/05/10

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