A liberdade dos bebés por Martim Avillez Figueiredo
publicado no jornal"i" a 30/07/09
publicado no jornal"i" a 30/07/09
Duzentos euros por bebé é ideia boa, mas convém sublinhar que a sua virtude é liberal: com isso o Estado quer garantir a liberdade dos adultos, façam o que fizerem ao dinheiro.
José Sócrates quer abrir uma conta poupança de 200 euros a cada novo bebé. A ideia nada tem a ver com incentivo à natalidade. O que esta medida (que segue os baby bond de Tony Blair) defende é que o dever de um Estado é para com cada cidadão - e não apenas para os mais pobres ou para os mais ricos. Este princípio, parecendo simples, altera quase tudo.
Inicialmente pensada pela social-democracia britânica e liberais americanos (a esquerda, portanto), esta ideia defende que as políticas sociais não podem ser apontadas aos extremos - só pobres, só minorias...
Devem orientar-se, antes, para o maior número - porque só essas largas franjas sustentam, depois, políticas direccionadas para os mais necessitados. E parte de outro pressuposto nuclear: aceitar que o Estado deve pagar a todos uma parcela daquilo que existe e virá a existir - um imposto invertido pago pela riqueza que os cidadãos vão gerar e pela consagração do princípio de que ao nascer todos são iguais. Ricos e pobres.
Bloco de Esquerda e comunistas deverão, muito em breve, reclamar que a medida dá (pouco) a todos - quando devia dar mais aos que precisam. Mas esse é o ponto (teórico, pelo menos) desta política social. Repare-se: quando um partido aceita que todos merecem um rendimento pago pelo Estado (filhos de milionários inclusive) está a dizer que, aos seus olhos, todos são iguais. Isso: todos iguais. Estão a ver o poder ideológico da frase? Mas está a dizer que todos são iguais na medida das suas diferenças - que igualdade não significa pobreza colectiva (como com PC e Bloco) mas cidadania comum. Direitos e deveres comuns. Claro: é possível manter, em simultâneo, programas dedicados aos mais pobres. Mas no momento em que nascem - aos olhos do Estado - todos merecem o mesmo. Daí a conta poupança.
Aos 18 anos, com estas políticas (existem em Inglaterra e Espanha, para dar dois exemplos), pode levantar-se o dinheiro e investi-lo naquilo que mais falta fizer. É nesta liberdade imensa (e tão liberal) que políticas assim se complicam. Primeiro porque obrigam a justificar o valor - os 200 euros em Portugal servem para quê? Em Espanha (2500 euros) e Inglaterra (1000 libras) justificaram-se com parte do valor de uma licenciatura. Segundo porque abrem a discussão da sua aplicação - e se um bebé de hoje não quiser um curso superior aos 18 anos? Se preferir um carro? Ou uma operação para mudar de sexo? Ou pagar o seu casamento homossexual? Quem acredita no princípio fundador destas políticas aceita estas derramas. Se a virtude dos baby bonds é proteger a liberdade de cada um (livre da má gestão do pais, por exemplo) então o seu poder é proteger diferentes formas de vida - e não apenas as mais? instituídas.
Quando um país começa a pensar assim, pensa bem. Quando um governo no poder anuncia uma medida assim, faz bem. O pior é ouvir no mesmo governo discursos contra os ricos: tê-lo é uma forma de vida tão legítima como aceitar uniões de facto entre homossexuais. Isso é a esquerda verdadeira.
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