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Devemos a nossa Democracia
ao Antifascismo
O antifascismo é a génese da nossa democracia e do nosso Estado Social. Rejeitar o antifascismo - como corrente ampla e abrangente que defende a importância dos direitos humanos, da liberdade e da paz - é necessariamente posicionar-se do lado do fascismo e das atrocidades que gerou.
Nas décadas de 1920 e 30, em todos os países onde regimes fascistas se impuseram, milhares de antifascistas se levantaram para os combater. Presos, torturados, exilados, assassinados: homens e mulheres cuja memória importa ativar para o combate que travamos nos nossos dias. Hoje, o avanço da direita radical e de movimentos fascizantes vem de mão dada com o esforço de desativar a memória antifascista do século XX. A luta das e dos resistentes contra a violência fascista é pintada como um campo de batalha onde se digladiam dois extremos simétricos.
Em 1922, Mussolini marcha sobre Roma. Bem antes disso, já os seus squadristi violentavam e assassinavam opositores, socialistas, sindicalistas e comunistas. As leis fascistissimas do Duce perpetuaram e institucionalizaram essa violência. Na Alemanha, em 1933, Hitler foi chamado a formar governo. No mesmo ano, milhares de resistentes são deportados para Dachau (o primeiro campo de concentração) onde são forçados a trabalhar até à morte. O nazi-fascismo é responsável pela pior guerra que a Humanidade conheceu, com dezenas de milhões de mulheres e homens mortos. Neste período, o seu projeto assassino quis igualmente eliminar fisicamente todos os considerados “indesejáveis”. O Holocausto representa a morte a milhões de judeus, pessoas ciganas, pessoas LGBT, prisioneiros de guerra soviéticos, sérvios, testemunhas de Jeová e pessoas com deficiência. Foi a luta de resistentes antifascistas, de exércitos aliados e de prisioneiros que travou tais atrocidades e derrotou a Alemanha Nazi, a Itália Fascista e seus aliados.
Em 1936, em Espanha, um pronunciamiento fascista contra o governo democraticamente eleito da República afunda o país numa violenta Guerra Civil. Com mais de 100 mil desaparecidos, o fim da guerra inaugura a ditadura franquista, que durará até 1975, perseguindo e assassinando milhares de opositores. Por cá, em 1933, é aprovada a Constituição que inaugura a ditadura do Estado Novo. A 18 de janeiro de 1934, os operários e a população da Marinha Grande iniciam uma revolta contra a recém instaurada ditadura que proibia greves e sindicatos livres. Estes homens serão enviados para o Tarrafal - campo da morte lenta. Durante os 48 anos da ditadura fascista do Estado Novo, milhares de homens e mulheres serão presos e torturados em Caxias, Aljube, Peniche, Tarrafal e outros cárceres por exigirem democracia, liberdade e autodeterminação.
Combater estas novas forças da desmemória e do branqueamento da história é igualmente devolver a agencialidade política a quem foi apagado ou transformado em vítima. Por todo o mundo, a resistência antifascista - e também anticolonial -, sempre ativa e agindo frequentemente na clandestinidade, foi composta de gente que não deixou que a violência que lhes foi imposta os definisse como vítimas, a sua própria ação definiu-os como resistentes. Estes homens e mulheres foram agentes políticos de transformação e guardiões da democracia. Como nos explica o historiador Enzo Traverso, o “gosto” pela vítima apolítica por parte de quem procura neutralizar a História apaga os antifascistas, os combatentes anticoloniais e todos os homens e mulheres que se tornaram agentes da sua própria libertação.
Hoje, a extrema-direita procura reabilitar moralmente ditadores ou regimes fascistas e colocar os resistentes e os movimentos antifascistas no mesmo patamar moral que os anteriores. Simultaneamente, procuram pintar o antifascismo como um grupo marginal e arruaceiro que põe em causa “a ordem”. Esquecem-se, no entanto, que o antifascismo é a génese da nossa democracia e do nosso Estado Social e que rejeitar o antifascismo - como corrente ampla e abrangente que defende a importância dos direitos humanos, da liberdade e da paz - é necessariamente posicionar-se do lado do fascismo e das atrocidades que gerou. Tal como na década de 1940, não existe um muro em cima do qual se possa estar - ou se é pela democracia ou não se é.
Como democratas, porque antifascistas, reconhecemos hoje que estamos nos ombros de gigantes e que, sendo a nossa genealogia política a da resistência e da luta, é o nosso trabalho continuá-la. Ser antifascista hoje é igualmente lutar por um aprofundamento dos direitos das mulheres, das pessoas LGBT e das pessoas racializadas. O combate ao radicalismo fascizante deve fazer-se sem deixar ninguém para trás, rejeitando todas as formas de discriminação.
Não devemos as nossas democracias, liberdades e direitos económicos e sociais a ditadores, devemo-los a quem os combateu. Muitas vezes com as suas próprias vidas. Por isso, é necessário que disputemos o campo da memória e preservemos as histórias de quem resistiu como ferramenta essencial para construir um futuro de liberdade, fraternidade, igualdade e paz.
* Activista estudantil
IN "ESQUERDA" - 15/09/20
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