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A desinformação
que fere a Justiça
Fala‑se muito do Estado de Direito, mas pouco se pratica o respeito pelas suas premissas básicas. A presunção de inocência vale para todos — também para os magistrados.
Há, subjacente a esta estratégia, uma tentativa de inverter papéis: quem investiga passa a suspeito; quem viola o segredo transforma-se em vítima. E, discretamente, instala-se o argumento conveniente de que o Ministério Público é um poder insuportavelmente incómodo. O objetivo é evidente: criar terreno favorável a reformas legislativas que subtraiam autonomia à justiça sob o pretexto de “reforçar a transparência”.
Pergunte-se, por um momento: o que teria a ganhar um magistrado do Ministério Público ao divulgar informações que comprometem a sua própria investigação? A resposta é óbvia — nada. O segredo de justiça existe para proteger o inquérito, não para favorecer interesses ocultos. Mas essa obviedade parece incompatível com o espetáculo mediático e o conforto das teorias simplistas.
É altura de olhar para o essencial. Quem tem acesso aos processos? Magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça, polícias, advogados e assistentes processuais. A multiplicidade de intervenientes torna impossível apontar o dedo de forma automática. Fazer isso é pura manipulação política.
Fala-se muito do Estado de Direito, mas pouco se pratica o respeito pelas suas premissas básicas. A presunção de inocência vale para todos — também para os magistrados. Acusá-los sem provas é corroer a justiça pelas fundações. E, como a história recente de diversos países demonstra, essa erosão começa sempre com o mesmo discurso: a necessidade de “controlar” uma justiça que “abusa do seu poder”.
Basta olhar para a Polónia, Hungria, Israel ou Turquia para perceber o preço desse caminho. Quando o poder político subjuga o judicial, não nasce transparência — nasce medo. O controlo político da justiça é o primeiro sintoma de um Estado de Direito em colapso.
Desconfiar do Ministério Público tornou-se moda. Defender-lhe a autonomia, um ato de resistência.
Mas a verdade é que sem um Ministério Público livre e sem uma justiça independente não há democracia plena — há apenas aparência de controlo e silenciamento disfarçado de equilíbrio institucional.
* Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
IN "SÁBADO" -09/12/25 .

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