04/11/2025

MANUEL AFONSO

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Salazares e salafrários

Na passada quinta e sexta-feira, 23 e 24 de outubro, o meu filho não teve creche. No primeiro dia, porque houve greve das trabalhadoras da Santa Casa da Misericórdia, no dia seguinte, porque foi greve geral da Administração Pública. Neste dia, 24 de outubro, junto com as educadoras do meu filho, fizeram greve professores e auxiliares de educação, trabalhadores da higiene urbana, profissionais da saúde e muitos, muitos outros. A maioria recebe muito mal e a solução que lhes é dada é aguentar ou emigrar. Foram traídos pelos governos da direita ou do PS, décadas a fio.

Mas o problema é ainda maior. Porque, ao contrário de há umas décadas atrás, a Administração Pública (nome pomposo para quem varre o lixo ou limpa o rabo a doentes pelo salário mínimo ou pouco mais) era um elevador social. Hoje não. E por isso, falta gente. Na base e no topo: quadros qualificados preferem emigrar ou tentar a sorte, por exemplo, como empreendedores. Quem pode criticá-los? O resultado é que não se aplica o PRR porque não há quadros para o planificar; não há professores nas escolas nem médicos nos hospitais; a manutenção das infraestruturas públicas não é feita e resulta em tragédias como a do elevador da Glória. Um Portugal onde tudo falha. Como antigamente.

Quem fez greve no dia 24, foi contra isto que se mobilizou. Quem defende meia dúzia de salazares em horário nobre, com o excelso patrocínio da comunicação social, o que quer dizer é que a enfermeira, o jardineiro e a engenheira que fizeram greve na passada sexta-feira não deviam tê-lo feito. Deviam ser perseguidos, censurados, presos e até mortos, se necessário. Como no tempo da velha senhora. Deveriam não comer, mas calar. E emigrar, já dizia o Passos, padrinho político do Luís e do André. Dirão alguns cínicos que ao menos assim o meu filho teria tido creche na quinta e na sexta? Não, nesse país não há greves, mas também não há creches.

Em 2024, no Bangladesh, os estudantes fizeram uma revolução. Fartos de uma casta de políticos corruptos que vende o país e vive de negociatas, de um país onde o único elevador social é a emigração, saíram à rua e derrubaram o governo. "Isto aqui" (o nome do país é Portugal!) está quase igual. Façamos como eles, no Bangladesh, uma revolução. Contra os novos salazares e os velhos salafrários donos disto tudo que eles protegem.

* Assistente editorial e ativista laboral e climático

IN "ESQUERDA" - 03/11/25

NR: BORA LÁ!!!!

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