23/06/2024

PAULA SEQUEIROS

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Assalto a livros para crianças

Perseguir livros, lançar ameaças às autoras para que parem de publicar, tentar contaminar com medo as festas de livros que se vêm realizando nos dias de mais estio e calor, são as marcas do assalto ao prazer da leitura em diversidade e em liberdade.

Com o sol e o descanso vêm os livros. Começam as feiras do livro um pouco por todo o país, na agenda crescem as apresentações de novos títulos, algumas bibliotecas públicas saem à rua, que é como quem diz, trazem livros a desempoeirar para o espaço público e a atrair vontades de ler. É conhecida a influência que estes acontecimentos têm no que lemos em cada ano, as feiras do livro são estimadas, em especial, por providenciarem essa mistura de passeio, encontro, pequenas e pequenos leitores a borboletear à volta dos escaparates. Há quem passeie só para assistir a essa vista bonita de ver. Nesses dias, os livros descem de preço e chegam mais facilmente às casas.

Nestes acontecimentos misturam-se editoras e livrarias, municípios, passeantes por acaso e por intenção. Para muitos, são aquela ocasião do ano que não querem perder, são costume seu de há muito, há parentes que explicam e acostumam os mais novos.

O que encanta tanta gente está a ser perversamente transformado num chamariz para ataques de indivíduos de extrema-direita. Investem e atacam autoras e apresentadores dos eventos, como aconteceu há cerca de um ano em algumas sessões de contos drag em espaço público. Como aconteceu com a escritora Lúcia Vicente, a pretexto do seu livro No meu bairro – editora Núvem de Letras, com duas edições consecutivas em 2023. E como aconteceu muito recentemente com Mariana Jones, visando O Pedro gosta do Afonso – Cordel d'Prata, 2024 –  e com Ana Rita Almeida, autora de Mamã, quero ser um menino – Cordel d’Prata, 2024. A Habeas Corpus, grupo de extrema-direita, tentou transformar uns quantos momentos como esses, e mesmo a assembleia municipal de Vila Franca de Xira, em terreiro para condenar livros e, sobretudo, porfia em usá-los para propaganda da sua arrogância censória e discriminatória. Com uma lista crescente de livros e autorias sob ameaça de ataque, terão alegadamente afirmado que os livros serão queimados para que se faça luz. Uma alusão que mistura a purificação infernal e o ataque incendiário.

Náusea, é o que se sente quando são afixados livros dirigidos a crianças em listas odientas. Perseguir livros, lançar ameaças às autoras para que parem de publicar, tentar contaminar com medo as festas de livros que se vêm realizando nos dias de mais estio e calor, são as marcas do assalto ao prazer da leitura em diversidade e em liberdade.

Tem subido a denúncia entre profissionais, nas redes sociais, dos casos de ataque à liberdade intelectual com uso de violência. Aumenta entretanto o conhecimento sobre estes títulos publicados em Portugal, tal como antes se espalhou o saber sobre a existência de livros análogos publicados noutros países.

O gosto pela liberdade de ler começa desde cedo, o respeito pela liberdade de pensar e de ler também. São emblemas soalheiros do 25 de Abril, direitos de que não abrimos mão. Há parentes e escolas que os transmitem às crianças leitoras, agora, e assim abrem caminho para que cresçam sentindo que há livros que contam.

 * Investigadora em sociologia da cultura

IN "ESQUERDA" - 22/06/24 .

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