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Geração 1000-enial
O assunto não é novo. Há décadas que se traça a radiografia dos jovens
em Portugal e que se desenham tabelas e gráficos com base na evidência
que a estatística traduz. Vidas colocadas em percentagem, números
colocados em perspetiva, onde geralmente desaguam resultados infelizes
sobre as condições socioeconómicas desta parte da população. O próprio
conceito de “Geração 1000” já é conhecido. Só que agora, ao ser
confrontada com as conclusões do estudo “Retrato da população jovem
portuguesa: quem são, o que as/os move agora e quais são as suas
expectativas”, apresentado na semana passada, no Porto, dei por mim
confrangida, quase envergonhada. Também faço parte daqueles 65,6% que
recebem menos de mil euros líquidos ao final do mês.
Por ter nascido
no final do milénio, quando a Internet começou a crescer e a
afirmar-se, os sociólogos definiram-me como millennial. Não será antes
1000-enial? É que basta olhar à minha volta para perceber que a
realidade é transversal. Somos jovens, exaustos, mal pagos, sufocados
pela realidade que todos conhecem, que todos criticam, mas que não muda.
Não conseguimos sair do ninho antes dos 30 e, se saímos, sujeitamo-nos a
partilhar casa com desconhecidos com quem podemos ter a sorte de criar
relações de confiança, num totoloto de probabilidades. Acumulamos dois
ou três empregos, queimando um número absurdo de horas de trabalho por
dia, para evitar ter a corda ao pescoço. Muitos de nós têm vínculos
precários, o que significa que nunca sabem quanto e quando vão receber.
Uma despesa de que não estávamos à espera pode comprometer uma visita à
família, que não vemos há semanas porque somos trabalhadores deslocados.
Vivemos num dos países da União Europeia com menor taxa de natalidade,
mas vamos adiando ter filhos à espera de estabilidade. Grande parte de
nós já se convenceu de que dificilmente terá casa própria. Vivemos
forçosamente o “carpe diem” porque, na verdade, não temos outra solução a
não ser viver um dia de cada vez.
Para muitos, a enumeração pode
ser um chorrilho de lamentos. Pode parecer mais do mesmo, mas não é.
Apesar de tudo, somos jovens inconformados e com rasgo. Numa altura em
que há um novo Governo que nos pisca o olho com uma mão-cheia de
medidas, entre as quais a isenção do IMT e a garantia de financiamento a
100% na compra de casa, e que até entregou a uma millennial o
recém-criado Ministério da Juventude e da Modernização, temos de
aproveitar a janela de oportunidade. De facto, e citando o
primeiro-ministro, “queremos construir em Portugal o nosso projeto de
vida”. Convém é que seja enquanto ainda somos jovens.
* Jornalista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 15/04/24,
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