17/03/2024

MIGUEL MARTINS

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Reinventar a esquerda

Foram 48 anos de ditadura e, no ano em que se assinalam 50 anos do 25 de Abril, há um deputado fascista por cada ano do regime que querem trazer de volta. Ainda assim, não iremos baixar os braços.

No rescaldo das eleições legislativas, são muitas as ilações que devemos tirar. Aliás, os próximos dias deverão ser de reflexão para todos nós.

No domingo, confirmou-se um cenário que era previsível - uma viragem à direita. Não foi surpresa para ninguém. Os últimos dois anos de governação, em que a maioria absoluta do PS se revelou um autêntico desastre para o país, levou a que o povo fosse às urnas. Em vez de dar respostas às pessoas e aos problemas que enfrentam no seu dia-a-dia, o Governo de António Costa ficou marcado por inúmeras polémicas e casos, mas também por uma política de cofres cheios que não respondeu às crises que vivemos e que apenas serviu para proteger os interesses financeiros à custa de quem trabalha e trabalhou a vida inteira. O povo está zangado e não esqueceu o que foram estes dois anos de instabilidade.

Além disso, a realidade política não é a mesma de 2022. Desta vez, os apelos ao voto útil não tiveram a mesma eficácia que antes - na verdade, nem sequer funcionaram. À esquerda e à direita, nem AD, nem PS conseguiram impedir o crescimento do Chega (CH), nem do Livre, nem a resistência do Bloco ou da IL. O próprio PAN, que se diz de esquerda ou direita conforme os dias, manteve-se igual. Exceção apenas para o PCP, que, uma vez mais, perde votos.

Por outro lado, há que ter em atenção o crescimento da extrema-direita, que não acontece por acaso. Muito pelo contrário, o crescimento do CH deve-se ao descontentamento das pessoas com os partidos que têm governado o país, a saber, PS, PSD e CDS. Não é um fenómeno único no mundo. Trata-se de um sintoma de uma viragem mundial à direita, impulsionada pela radicalização de parte da burguesia, desde os senhores dos interesses económicos aos grandes empresários, a partir da crise de 2008 que, desde a eleição de Donald Trump, em 2016, tem ganho cada vez mais tração, sendo aprofundada pelos Media e pelas redes sociais.

O interesse dos grandes grupos económicos nestas forças reacionárias não acontece por mero acaso. Recorrendo ao discurso de ódio, a extrema-direita engana o povo, culpabilizando certos setores da sociedade, marginalizados e, muitas vezes, desfavorecidos, como responsáveis pela falta de rendimentos ou de oportunidades de emprego, entre outros aspetos, e, acima de tudo, culpando-os pela falta de condições e qualidade de vida dignas de toda a população. Nestas eleições, vimos isso mesmo a acontecer. O objetivo é claro: a resposta para os problemas das pessoas passa por retirar os poucos direitos e condições a estes setores sociais, marginalizando-os ainda mais. Enquanto isso, protegem os interesses dos grupos económicos (que os financiam) e, simultaneamente, procedem a um profundo ataque aos direitos sociais e aos serviços públicos. A extrema-direita é o melhor cão de guarda que os donos disto tudo, da banca ao retalho, podem ter.

Mas que ninguém se esqueça: o Partido Socialista tem muita culpa no cartório pela ascensão da extrema-direita. Tentando repetir o que aconteceu em 2022, ao seguir as políticas de austeridade de Bruxelas (procurando agradar os chefes da União Europeia, mas também servindo os grupos económicos), utilizaram a ameaça da participação da extrema-direita num Governo de PSD como arma de arremesso eleitoral. Falharam por completo. Com os resultados praticamente apurados, o próximo Governo será de direita e será fortemente influenciado pela extrema-direita (ou até irá integrar esta força política).

E à esquerda? De forma simples e clara: foi uma derrota. Serão tempos duros, mas que, mais do que nunca, irão contar com uma forte oposição popular do Bloco de Esquerda ao Governo da AD e aos previsíveis acordos entre PSD e CH.

Digo isto sabendo que o cenário é bastante desanimador. Foram 48 anos de ditadura e, no ano em que se assinalam 50 anos do 25 de Abril, há um deputado fascista por cada ano do regime que querem trazer de volta. Ainda assim, não iremos baixar os braços.

Estaremos na linha da frente da oposição às políticas de direita que virão com o próximo Governo. Mais do que nunca, é tempo de não baixar os braços e afinar o discurso à esquerda. Reitero o que sempre dissemos: o modelo neoliberal, defendido quer pelo centrão (PS, com ou sem D), e a extrema-direita são a cara e a coroa da mesma moeda. Nós não jogamos no mesmo jogo - o nosso interesse é responder às pessoas e ao país.

No Bloco, sabemos ao que vamos e para onde queremos ir. A luta faz parte do nosso dia-a-dia e sei que seremos capazes de nos reinventarmos, (re)construindo uma alternativa transformadora, popular e mobilizadora, capaz de apresentar respostas aos problemas que as pessoas enfrentam e irão continuar a enfrentar. É tempo de reconstrução e de reinvenção. Não vamos desistir.

* Sociólogo. Mestrando em Geografia na Universidade do Minho.

IN "BARCELOS POPULAR" -14/03/24 


NR: Chateia-nos comentar artigos de opinião mas por vezes tem de ser. Parece que o BE teve um grande azar nas últimas eleições. Estamos todos a perceber que o BE é um partido que defende os que mais sofrem só que em campanha não lhes soube explicar devidamente, ao contrário do "partido que mais parece uma cloaca acústica" que explicou claramente como é que ia gamar com souplesse os sofridos da pátria e colheu mais de um milhão de votos.
Reinventar a esquerda soa a cassete já gasta, soa a preguiça e a conformismo, reiventem o partido, isso sim. .

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