20/02/2024

SANDRO MENDONÇA

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Invisibilidade artificial

Um exemplo de dentro. O Centro Nacional de Cibersegurança tem empreendido uma importante agenda de literacia de cibersegurança junto de escolas e empresas de todo o país.

As “tecnologias fundacionais” sacodem o mundo. Nos EUA, a Casa Branca emitiu uma ordem executiva sobre Inteligência Artificial (IA) segura e confiável. Mais perto, o Parlamento Europeu aprovou na especialidade o texto do famoso “AI Act”, que agora aguardará adopção formal.

Todos estes desenvolvimentos são perceptíveis em linha de vista. Mas há outros mais discretos e que têm o seu curso debaixo do radar. Estes outros são menos proclamatórios, mas significativos para as práticas do dia-a-dia. São iniciativas estruturantes, que envolvem comunidades técnicas. São, também, actividades orientadas ao consenso e menos distorcidas por pressões geopolíticas ou dos lobistas profissionais. São esforços que atraem menos os media, e o seu papel na governança global é desvalorizado.

Sob uma agenda diária marcada por grandes dramas, em que o teatro da confrontação internacional impera, temos aqui uma sub-corrente de processos concretos e constantes onde a concertação tem lugar. Numa sociedade de base tecnológica como a de hoje, é notável como a relevância dos efectivos mecanismos de negociação e co-construção da realidade não merece seguimento, explicação e, pois sim, escrutínio.

Podemos enunciar um primeiro exemplo, possivelmente mais lateral. Vários institutos de propriedade intelectual, como o norte-americano e o europeu, têm vindo a clarificar os usos da IA na patenteabilidade das invenções. Mas podemos dar um segundo exemplo, provavelmente mais central, que é o caso das telecomunicações.

Nesta área, o regulador dos EUA, a FCC, resolveu que o uso de vozes sintéticas no telemarketing é ilegal. Na Europa, a elaboração dos padrões nas tecnologias de info-comunicações está, sobretudo, a decorrer no ETSI – European Telecommunications Standards Institute. Note-se aqui a pergunta pertinente, que é como o Estado português tem presença (ou não) num fórum cujas deliberações vão moldar as escolhas soberanas e sectoriais no nosso país.

Na IA importa o trabalho a montante, como o já referido nos exemplos acima, mas também a jusante. E neste ponto vale sugerir outro exemplo, agora vindo de dentro. O Centro Nacional de Cibersegurança tem empreendido, sublinhe-se, uma importante agenda de literacia de cibersegurança junto de escolas e empresas de todo o país. Eis que poderá haver aqui um modelo de como lidar com a AI, tanto por razões de segurança como para funções de produtividade.

* Professor da Iscte Business School

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