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BOAS FESTAS
Com a idade, entregamos o Natal aos mais novos como se fosse um bailarico para o qual deixamos de ter pernas. Vamos assistindo numa cadeira a um canto, como são divertidos os pequenos, como correm e alegram por qualquer coisa, por qualquer nico de brincadeira, e nós medimos as brincadeiras de hoje com as de outrora e sabemos das diferenças e de quanto é inevitável haver uma mudez instalada entre uns e outros.
Os novos herdam o Natal porque somos, mais e mais, uma memória que só falta conquistar o esquecimento. Todos caminhamos para o mesmo sentido. Se há uma nostalgia em todas as coisas, também há a gratidão por ver como a vida passa como ofício de uns para outros. Um trabalho que vai sendo entregue em favor de uma demissão crescente que também significa ter o direito de não atentar a tudo, não poder tudo, apenas usufruir de um modo lento e calmo de ir embora.
Com a idade, aceito a felicidade possível dos instantes. Essa impressão menos e menos urgente dos dias, que nos leva a aprender que agora é o melhor que há. Agora, sem mais, é o que há e vale pouco a pena apressar as horas para novidades. A maior novidade é entender que ainda estarmos com aqueles que nos sobram é a glória maior.
O Natal é o espectáculo exuberante daqueles que nos sobram. É a evidência de quem existe no nosso círculo fechando, como se tudo o resto fosse sendo excluído para provar exactamente o que importa, quem importa, e o que vamos contabilizar nas maravilhas e nos desastres irreparáveis.
Ando intolerante a quase tudo quanto se come. Vou comendo por insurreição e pago por isso igual a aceitar morrer mais cedo. Mas quase não como nada para aguentar até ao fim da noite a ver o que é das crianças aos saltos de entusiasmo. Aquele entusiasmo impune que acontece a quem consegue não pensar em mais nada. O poder das crianças, que é o único perto do absoluto, sem trégua perante a vontade e destroçado à mínima frustração. Adoro ver como esse tempo passa pela cabeça das crianças que são levadas a acreditar em tudo e, por isso, tudo é possível, especialmente mudar mesmo o Mundo.
Julgo que uso o Natal para ver como alguém ainda acredita em alguma coisa. Como é importante que alguém ainda acredite, porque é fundamental esse encanto e porque somos obrigados perante ele. Nós, os mais velhos, magoados e cheios de dúvidas, temos a obrigação moral de estar à altura da folia e da fé dos mais novos. Porque compete às pessoas moverem-se para melhor. Ainda que sentados na cadeira ao canto, a progredir para o esquecimento, temos, sim, a obrigação de compactuar com o movimento e servir sempre para o resultado de melhorar o Mundo. Se o mantivermos em mente, não importa o quê, haveremos sempre de desejar umas Boas Festas. Umas Boas Festas a todas as pessoas em toda a parte.
* Além de escritor é editor, artista plástico, apresentador de televisão e cantor
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE" -24/12/23.
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