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Em dois anos, Portugal viu aparecer 33 mil novos milionários no país. E dá-me ideia que não o estamos a festejar o suficiente, apenas por uns poucos milhões de portugueses e imigrantes estarem cada vez pior, no que diz respeito a saúde, trabalho, alimentação, cultura e habitação. Como é que podemos almejar não ser o país do queixume quando todos os dias se fala de haver mais gente em grandes dificuldades para pôr comida na mesa, e mal se falou do aumento de milionários? Não é com certeza agarrados ao fado da desgraça que vamos lá. O facto de haver cada vez mais gente aflita tem um lado bom, por mais que custe a muita gente ouvir isto, e que isto parece ligeiramente cruel.
E atrevo-me a dizer, mais que celebrar a desigualdade – claro que percebo que é disso que se trata, e ainda bem porque precisamos que seja cada vez maior – devemos conseguir olhar para os milionários como uma inspiração, como estando no lugar em que nós também queremos estar. O que é que levamos desta vida? Fraternidade, comunidade, igualdade, entreajuda, ou até mesmo amor e amizade? Não digo que sejam coisas inerentes más, mas não nos preenchem. São frivolidades a que a esquerda se agarra para esconder a sua verdadeira essência: mérito e talento a menos, preguiça a mais. Porque o que realmente levamos desta vida é a acumulação de bens, a criação de fortunas, o número da conta ao aumentar, a concentração e poder, o sentirmo-nos superiores aos pobres e preguiçosos.
Há quem romantize e enalteça aqueles raríssimos exemplos de milionários que, estando no leite da morte, se arrependem de ter sido tão ambiciosos, de ter acumulado tanto dinheiro e ter explorado tantas pessoas ou recursos da Terra. Mas a verdade é que a maior parte morre feliz, sem o mínimo assomo de culpa, porque teve a inteligência de durante toda a vida não se reger por valores humanos, mas apenas materiais, o que os permitiu partir em paz, mesmo que considerados como sociopatas por tanta gente.
E é mais disto que precisamos para o país, mais desta gente com fibra capitalista liberal. Claro que há uma imensidão de jovens que já estão completamente doutrinados para o extremo-capitalismo, que não hesitam em gastar horas na internet a defender milionários mesmo que ganhem pouco mais que ordenado mínimo, que defendam que tudo se resolve com baixar impostos e com privatizar serviços públicos de direitos básicos, que tenham como maior sonho da vida comprar carros, relógios e fatos caros para preencher os seus vazios emocionais.
Mas precisamos de mais, muitas mais, porque é deste exército de zombies, a quem basta acenar com promessas vazias de futura riqueza, que precisamos para manter tudo como está, ou até, quem sabe, melhor (aumentar, portanto) os nossos níveis de desigualdade. Precisamos é de gente individualista, que pense apenas e só no seu percurso, que acredite que a meritocracia realmente existe, que não se importe com o trabalho ou a vida dos outros, e que seja obcecado com enriquecer. Apenas uma percentagem ínfima o vai conseguir, e o resto morrerá ligeiramente frustrado, mas ao mesmo tempo grato por ter contribuído tanto, quase como um mártir, para que os milionários assim se mantenham intocáveis, à custa do sofrimento da maioria do povo.
* De si próprio: A única coisa que me parece relevante saberem sobre mim é que sou comediante, viajante tanto quanto posso e sou um bom e assumido apreciador da vida boémia, já de merecida reputação. Ah, e acho que os Direitos Humanos são uma coisa mais ou menos decente pela qual devemos bater-nos.
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