02/06/2023

MIGUEL GUEDES

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Tutti Frutti a dois

O caso Tutti Frutti, como muitos outros acordos nupciais sem casamento, joga-se a dois e não com todo o espectro do sistema. Mas, ainda assim, coloca em causa a sustentabilidade e confiança de todo o regime democrático.

As notícias que dão conta de um pacto entre PSD e PS para a manutenção do poder previamente estabelecido em algumas freguesias em Lisboa não podem espantar todo o país como se de um caso regional se tratasse. Não um país que tem vivido com o Bloco Central em democracia num sistema de rotatividade ou plataforma conjunta.

As suspeitas que recaem sobre Fernando Medina em pelo menos cinco processos do Ministério Público, na altura em que era presidente da Câmara de Lisboa, vão para além de alegados crimes de corrupção, abuso de poder, participação económica em negócio, financiamento proibido de partidos e prevaricação de titular em cargo político. Assemelham-se a rotinas.

O facto de não haver acusação formulada após seis anos de investigação faz com que tudo se acabe por colocar no campo das hipóteses de mais um limbo central, directo ao esquecimento, prescrição ou dissipação. Na realidade, é aos visados que mais interessaria a possibilidade de se defenderem. Assim não sendo, soma-se mais um capítulo para o descrédito da política aos olhos do cidadão e ateia-se mais um incêndio em lume brando para o crescimento da demagogia.

Para Fernando Medina, a fragilidade de mais um caso a arder em lume brando é tudo o que António Costa não precisa, sendo também a exposição à bomba nuclear que Marcelo mantém a marinar. Mas a fractura existente no grupo parlamentar do PSD está agora mais exposta do que nunca. E essa debilidade na oposição continua a ser o maior factor de estabilidade e impunidade política para todos. O imobilismo, neste momento, é um vértice maior do sistema. Conveniente para todos.

O caso Tutti Frutti, como muitos outros acordos nupciais sem casamento, joga-se a dois e não com todo o espectro do sistema. Mas, ainda assim, coloca em causa a sustentabilidade e confiança de todo o regime democrático. Enquanto o bloco central aposta as suas fichas no imobilismo, continua a ser extraordinário como alguns continuam a defender que um acordo de regime entre os dois maiores partidos portugueses poderia permitir a estabilidade e a viabilização de reformas estruturais. Os alegados acordos políticos entre figuras do PSD e PS para a colocação de pessoas em lugares para avenças e posições estratégicas nas autárquicas de 2017 são um retrato do que o bloqueio central continua a fazer ao país. A centralização e pretensa rotatividade permanente de poderes é a principal porta giratória política para que pouco ou nada mude.

* Advogado e músico

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 26/05/23

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