.
A democracia não é imparcial
Um dos assuntos que nos últimos anos tem dado que discutir e tem feito escorrer tinta na academia prende-se com a ascensão da extrema-direita. Pelo globo vê-se um conjunto de personalidades que pela demagogia e mentira têm chegado ao poder, influenciam-no ou beliscam-no. Trump, em 2016, foi o estrondo que levou o Ocidente, nomeadamente a Europa, a perceber os perigos a que estaria sujeito: as arrogantes elites políticas centristas e burocráticas cavaram a sua própria sepultura. Claro que o cenário não é tão pessimista como este início trágico dita, a verdade é que temos vários exemplos destes oportunistas a serem expulsos do poder, tendo o povo impedido a sua reeleição. Não obstante, eles ainda não se foram embora. É de máxima urgência termos em mente o 25 de abril. Mais do que qualquer outra data festiva, é esta que nos marca enquanto nação que rejeita a opressão e caminha fraternamente rumo a um Estado justo.
A este ponto será importante perceber o problema associado à extrema-direita. Do ponto de vista ideológico, aquilo que a carateriza é o seu conservadorismo, sob a forma de um nacionalismo recheado de valores concretos sobre o que consideram ser a família e uma conduta ética. Desta forma, facilmente se compreende como os movimentos deste tipo verbalizam mensagens xenófobas e racistas, bem como colocam o feminismo na mira. Toda e qualquer liberdade pessoal deve ser passada a pente fino, para estar de acordo com a identidade que julgam ser a correta. Que se note que os expoentes máximos desta visão do mundo, os fascismos, não estão temporalmente muito longe de nós: Alemanha Nazi, Itália Fascista e, claro, o Estado Novo. Mas, se sabemos dos horrores que podem advir daqui, como é possível vermos o surgimento e ganho de popularidade de líderes de extrema-direita?
Desde logo, estes movimentos ganham tração pela força da demagogia: como não têm qualquer problema em espalhar o ódio, facilmente se adaptam para passar mensagens «sem papas na língua» com nas quais as pessoas, frustradas com a política, acreditam. «Eles são todos iguais», «Tudo corruptos», «Não fazem nenhum», vociferam elas sobre toda uma classe política desacreditada. «Isto está no estado que está e ainda vêm para aqui os imigrantes roubar-nos o emprego» afirmam, depois de já terem captado a atenção dos abstencionistas, de forma a encontrar um bode expiatório: este passo é importante para estimular o lado emocional, criando uma unidade contra um certo grupo. Os imigrantes, refugiados, minorias étnicas são as que mais sofrem com estes discursos que vociferam «subsidiodependência». Obviamente que os dados e estatísticas são completamente enviesados ou simplesmente falsos. Está aqui uma caraterística importante dos movimentos que enfrentamos hoje: aproveitam-se da falta de literacia dos media, da falta de algum pensamento crítico sobre a informação que nos é dada e simplesmente inventam. Criam mundos onde parece que vamos ser esfaqueados ao virar da esquina, apesar de sermos dos países mais seguros do mundo. As fake news (notícias falsas) tiveram um aumento exponencial por esta via.
O que pode a democracia fazer para combater estes movimentos que facilmente podem levar a guinadas autoritárias? Devemos ser tolerantes com intolerantes? A democracia não devia ser imparcial?
Em primeiro lugar: a democracia não deve, nem pode, temer vozes dissonantes sobre a sua própria organização. É obrigação da democracia debater formas de se melhorar: o objetivo é a sua radicalização, o aprofundamento progressivo dos valores democráticos. As alterações constitucionais não devem ser temidas, são necessárias. Não obstante, uma democracia deve punir o discurso de ódio.
Em segundo lugar: a democracia tem obrigação de ter um sistema educativo de qualidade. Dar as ferramentas para se formarem cidadãos orientados pelos princípios democráticos, livres e com espírito crítico. Esta é a herança de abril.
* Estudante do ensino secundário. Membro da Comissão Coordenadora Regional dos Açores do Bloco de Esquerda. Ativista estudantil
IN "ESQUERDA" - 01/05/23.
Sem comentários:
Enviar um comentário