22/04/2023

RAUL M. BRAGA PIRES

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Eid Moubarak

Muito provavelmente hoje será o dia de Eid, de Festa, do fim do mês de Ramadão, terminando assim 30 dias certos de jejum, em nome de Deus. Digo muito provavelmente porque quem manda é a lua e é provável que a Lua Nova não tenha aparecido/sido avistada ontem e isso aconteça esta noite. Na verdade, com toda a tecnologia actual esta questão já não se coloca. No entanto, a Lei Islâmica, com 15 séculos, precaveu-se desde o início destes imprevistos. Apesar de raramente o céu estar nublado na Península Arábica, o que esta lei diz é que em caso de não avistamento da lua, a partir do 30º dia de jejum (sobretudo por via de céu nublado, há mil anos se o céu estivesse limpo em Meca, poderia não estar em Deli, não havendo também forma rápida de o comunicar), "os nublados", ao quarto dia, declarariam o fim do Ramadão, mesmo sem terem avistado a Lua Nova. Seria lógico que assim fosse.

A vida dos muçulmanos, neste capítulo está muito mais facilitada pelas novas tecnologias que "preveem o futuro". Precisamente por isso, os sectores mais radicais do Islão colocam os meteorologistas na categoria de feiticeiros e bruxos! Porquê? Porque fazem uma previsão para o futuro (com base na tecnologia disponível), sem no fim rematarem o "amanhã o céu estará nublado (ou limpo)", com um "se Deus quiser", já que o Criador tudo pode, não estando refém de uma qualquer "adivinhação" projectada pelas criaturas que em tudo dependem Dele. Ou seja, já teve mais lógica esta postura, precisamente quando o céu estava limpo em Meca e não em Deli e a primeira não tinha possibilidade de comunicar com a segunda em tempo útil, como agora.

Novidade a registar neste Ramadão do ano 1444 da Hégira, foi o facto de todos os países magrebinos e árabes terem começado o jejum exactamente no mesmo dia. Não se trata de facto estranho, mas antes um sintoma de certo apaziguamento ideológico no seio de parte da Ummah, a Nação Islâmica. Porquê? Porque o registo ao longo dos últimos anos, por razões políticas, tem marcado uma competição/rivalidade entre a chamada "lua saudita" (dos lugares santos) e as "luas regionais" (politizadas para dividir a Ummah). A Argélia sempre teve como registo nunca começar o jejum no mesmo dia que Marrocos. Depois havia ainda a "lua de Kadhafi", que obrigava os líbios a começarem o jejum num dia também diferente dos de Marrocos e Argélia. Em Espaço Lusófono, Moçambique mantém esta "divisão das luas", graças à proximidade e dependências que várias comunidades de diferentes províncias têm da pujante, organizada e endinheirada África do Sul, mecenas de várias mesquitas/comunidades moçambicanas, forçando-as assim a seguirem a "lua regional sul-africana" e não a "lua saudita".

Estas divisões nesta África mantêm-se, contrariando assim a Sul, o verificado apaziguamento ideológico a norte. Das razões para este apaziguamento, muito provavelmente terão a ver com um efeito positivo junto das populações, a partir do "lastro de pornografia ideológica" deixado pela Al-Qaeda e Estado Islâmico nos últimos anos. Ou seja, as populações perceberam na prática que não era aquilo que queriam para as suas vidas/países, percebendo também que unidos são mais fortes e capazes de combater estas seitas islâmicas que apresentam alternativas a partir de interpretações próprias e erróneas dos textos sagrados. Moçambique, com a guerra em curso em Cabo Delgado, precisamente contra uma destas seitas, ainda não percebeu que esta luta só será completamente ganha, quando unidos rejeitarem estas divisões prosaicas e lunares, promovidas a partir do mimbar, do púlpito, de uma mesquita qualquer!

Votos de Eid Moubarak, Festa Abençoada a todos os muçulmanos, independentemente da lua que seguem. Bem-hajam e percebam o óbvio, por favor

* Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 21/04/23.

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