23/03/2023

LUÍS OSÓRIO

 .


O almirante Gouveia e Melo 
está perdidamente 
apaixonado por si próprio
1
Não tenho nada contra militares.

Aliás, não só não tenho como a minha referência ética na história da democracia é António Ramalho Eanes.

Isto para não falar no 25 de Abril - foram militares que o fizeram e entre eles há homens extraordinários como Ernesto Melo Antunes ou Salgueiro Maia.

Posto o tema em perspetiva quero então falar um pouco de um homem que me começa a assustar.

Um homem que ganhou protagonismo durante a pandemia. E um justo protagonismo: a sua capacidade organizativa arrumou a casa e permitiu um processo de vacinação que correu quase na perfeição.

2.
O almirante Henrique Gouveia e Melo deu uma série de entrevistas naqueles meses mais difíceis.

Disse coisas que indiciavam uma vaidade que era quase soberba, uma ambição que era quase desmedida, um conjunto de opiniões que eram quase dogmas.

Li na altura, mas não comentei.

Como gosto de dizer este é um país do adversativo "Mas". Não me apeteceu criar ruído há volta de pormenores quando no essencial o homem estava a fazer um trabalho decisivo.

Não era tempo para "Mas", pelo contrário.
Era sim tempo de lhe oferecer solidariedade e de lhe agradecer o empenho e o profissionalismo.

3.
Gouveia e Melo foi justamente promovido na patente e no posto.

É hoje Chefe de Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional e tornou-se assustador.

Porque aquilo que via como secundário passou a ser a mola impulsionadora de uma ambição claramente política.

Gouveia e Melo deseja ser candidato à Presidência da República.

Vê-se pelo que diz, pelo modo como diz, pela forma como se posiciona.

Quando desancou 13 militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego para uma missão de acompanhamento de um navio russo, quando o fez expondo-os à humilhação pública, quando o fez para que o país percebesse que ele, ao contrário de outros, sabe dar um murro na mesa, sabe impor autoridade e sabe como se manda...

... quando o vi a fazê-lo, quando o vi a falar do Presidente da República que, sendo Comandante Supremo, nem por isso o inibe de pensar pela sua própria cabeça...

... quando vi e ouvi, percebi tudo.

4.
Não sei se conseguirá criar as condições para ser candidato presidencial.

Mas sei que se apenas ele e André Ventura fossem candidatos, eu votaria em branco.

Porque os dois me assustam de maneiras que parecem diferentes, mas não o são na essência.

Os dois atraem pessoas que gostam da autoridade.
Os dois estão visivelmente apaixonados por si próprios.
Os dois adoram dar murros na mesa para provar que são providenciais, corajosos ou verdadeiros líderes.

À luz do que hoje se sabe é muito interessante reler a entrevista que deu a Felícia Cabrita e Marta F. Reis no jornal I, em 2021.

O nosso almirante disse este conjunto de pérolas:

Primeira pérola:
"Sou impiedoso com os malandros"

Segunda pérola:
"Para fazer um retiro espiritual, tinha de ter duas coisas: uma corda e uma árvore para me enforcar"

Terceira pérola:
"Não gosto de beber. Beber e sentir que podia perder o controlo fazia-me muita aflição. Uma vez, bebi uma cerveja: aquilo era amargo. Foi a última"

Quarta pérola:
"Nos exercícios da NATO sou o mais sanguinário possível. Se entra um inglês no exercício, é o primeiro que ataco porque lhes quero tirar o snobismo. Não gosto de snobes. Aos franceses também não perdoo, porque são chauvinistas, e os alemães também não deixo escapar porque tenho família judaica".

O que dizer então?
O que esperar?

Talvez o óbvio: que é mesmo de ter medo, que é mesmo para ficar assustado. Eu não o menorizo.

* Jornalista

IN "TSF" -21/03/23 - #POSTAL DO DIA#.

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