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SE NÃO SABE PORQUE NÃO LÊ?
Que cabazada
Portugal vai ter o Papa em Sacavém, Portugal tem a WebSummit, Portugal tem o maior desfile de pais natais do Mundo, Portugal tem o Jeff Bezos a passar cá a Páscoa, Portugal tem aquele ator bem giro das "50 sombras de Grey" a comprar casa na Aldeia do Meco, Portugal tem quase dois milhões de pessoas a viver na pobreza. Ficou um bocado esquisito o ambiente agora, não foi? Mas temos de ver o lado positivo: este número só não é mais trágico graças aos apoios sociais que aliviam estas estatísticas. E são várias as estratégias criadas para combater a situação dramática de quem pouco tem para uma vida condigna, nomeadamente o programa POAPMC - caso quem esteja a ler não saiba o que isto quer dizer, muitos parabéns, não é extremamente pobre.
A funcionar desde 2015 e financiado pelo Fundo de Auxílio Europeu, o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas disponibiliza mensalmente um cabaz de produtos alimentares às pessoas mais necessitadas deste país. E parece que, pelo menos desde o início do ano, o cabaz deixou de ser uma cesta para ser daquelas compras que até se levam na mão, para não se gastar no saco.
Da lista de 21 produtos de primeira necessidade, em fevereiro só oito foram distribuídos. Oito! É ótimo para quem teve de se mudar para espaços muito pequenos para reduzir custos, porque assim é fácil arrumar tudo.
Neste mês, faltou leite, queijo, arroz, cereais de pequeno-almoço, tostas, bolachas Maria, frango congelado, pescada congelada, sardinhas em conserva, mistura de vegetais ultracongelada para preparação de sopa, brócolos, espinafres, feijão-verde, cenoura, alho-francês, creme vegetal e marmelada.
O Governo já veio atribuir um cheque de 30€ para colmatar estas faltas mas, fazendo as contas por alto, com os preços que andam a ser praticados, 30€ não dá para as hortaliças. Mas o que é que veio no cabaz, afinal? Veio massa, feijão, grão-de-bico e ervilhas enlatados, atum e cavala em conserva, tomate enlatado e azeite. Bem bom.
"Ai, mas como é que se fazem refeições minimamente nutritivas como um pequeno-almoço para uma família com dois filhos? Muito simples. Para o pequeno-almoço é escorrer a água do grão enlatado para uma tigela e juntar-lhe a massa ainda crua. Uma pessoa fecha os olhos e, pelo barulho, faz de conta que está a tomar leite com cornflakes. Costuma dizer-se que é preciso imaginação para cozinhar e, neste caso, não só para cozinhar como para comer. Por acaso, eu gostava era de ver estes desafios no Masterchef. Isto é que é difícil, não é caixas-surpresa com um tamboril, duas laranjas e um pano do pó. Isso também eu.
Em janeiro já tinham sido 12 produtos de 21, portanto, é possível que, a continuar assim, cheguemos a junho com dois. Pode ser dramático, sim, mas também pode ser uma boa oportunidade para chegar magrinho ao verão. Se os beneficiários fossem influencers, era capaz de ser o unboxing mais curto da história. "Olá, malta! Vamos então abrir o cabaz social. Ora, massa, atum... fim. Obrigada, até para o mês que vem!".
Eu fui ao site do programa para o conhecer melhor e correu logo mal. Assim que cliquei no botão "quem pode receber apoio?", sou direcionada para um ecrã com a indicação "conteúdo brevemente disponível". É o site e são os cabazes. Não há conteúdos. No site também há outras coisas de muito mau gosto, como a área de receitas que apresenta umas deliciosas "almôndegas de pescada com grão de bico" a pessoas que este mês só podem fazer metade do prato. Depois, outra coisa que me intrigou foi ter percebido que afinal há três tipos de cabazes. Para além do cabaz do continente, há um para a Madeira e outro para os Açores que, para além de só terem uma lista de 17 alimentos, contrastando com os 21 do continente, não têm uma única referência a peixe congelado. Deve ser porque, como nas ilhas estão rodeados de mar, o Governo considera que podem muito bem pegar numa linha e numa cana e ir pescar.
Há forças políticas que acusam estas pessoas de estarem sempre a mamar na teta do Estado, mas afinal nem a leite têm direito.
* Humorista, cronista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 26/02/23.
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