03/12/2022

FILIPE GARCIA

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Proibido poupar

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Uma sociedade que oprima a poupança e reduza o indivíduo a uma máquina de consumo será, indubitavelmente, opressora.

De tempos a tempos, surgem nos motores de busca notícias acerca de testes feitos pela China num novo yuan digital e destaca-se a possibilidade de que essa e outras moedas digitais dos bancos centrais (CBDC), possam ser programáveis para terem características diferentes do dinheiro como o conhecemos.

Para além da rastreabilidade que a tecnologia blockchain permitiria, a China estará, segundo as notícias, a testar uma moeda com prazo de validade.

O objetivo principal será o de incentivar a economia, obrigando a que se gaste o dinheiro em vez de poder ser guardado ou investido, sendo que as moedas também podem ser configuradas de forma a só terem validade em determinadas atividades.

Onde termina a realidade e começa o rumor é difícil saber, embora estas notícias já tenham aparecido em jornais de referência como o “Wall Street Journal”. Mas é consensual entre os especialistas que a programação e rastreabilidade de uma moeda digital é possível e plausível, o que levanta questões seríssimas sobre democracia e liberdade.

Decisores e público em geral poderão ser seduzidos por novas ferramentas de política monetária (e económica), mas também arriscam abrir uma caixa de Pandora.

Por um lado, o detentor de moeda poderá ver o seu ativo invalidado ou rastreado a qualquer momento pela autoridade monetária e, por outro, devemos notar que a escolha de poupar é um ato reflexivo de liberdade. Poupo porque quero e posso e por ter poupado tenho mais graus de liberdade sobre o futuro.

Uma sociedade que oprima a poupança e reduza o indivíduo a uma máquina de consumo será, indubitavelmente, opressora.

Não pensemos que este conceito das moedas com validade é exclusivo de regimes mais obscuros. Há menos de um ano, o Banco Central do Canadá publicou o documento de trabalho “Best Before? Expiring Central Bank Digital Currency and Loss Recovery”, de acesso público, no qual se enaltecem as vantagens de uma moeda com data de validade. É assim que as coisas começam.

IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 25/11/22

Uma emergência climática
Portugal não é um país frio, comparando com o resto da Europa, mas é um país pobre, mal gerido e de prioridades trocadas. 

A descida das temperaturas já se nota, afetando sobretudo os mais carenciados e idosos. Este ano, devido à subida dos preços da energia, as dificuldades serão maiores e os efeitos poderão ser – escrevo sem medo das palavras – fatais.

O frio faz lembrar a inflação. É verdade que quem terá maior aumento absoluto nos custos com o aquecimento serão os que têm mais possibilidades, já que irão manter o seu conforto nas suas [maiores] habitações à custa de contas de gás e eletricidade bem mais altas. Mas serão os mais carenciados a sofrer mais porque terão de escolher entre frio, fome, medicação ou outras necessidades básicas.

Há um problema de falta de atenção e de justiça social no que toca ao planeamento energético das habitações. Acostumamo-nos a ouvir que as casas são mal isoladas e muito suscetíveis aos rigores do inverno. Portugal não é um país frio, comparando com o resto da Europa, mas é um país pobre, mal gerido e de prioridades trocadas.

Décadas de incentivos fiscais e de regulamentação continuam a não responder a este problema básico: as casas têm fraco isolamento térmico e não defendem os idosos e as crianças que, invariavelmente, entopem as urgências no inverno devido a doenças respiratórias, quando o desfecho não é pior.

Um artigo desta semana no “The Economist” demonstra que a mortalidade no inverno é substancialmente mais alta do que no verão, mas que, paradoxalmente, esse diferencial de mortalidade é maior nos países onde as temperaturas são mais altas do que naquelas onde até há mais frio.

“Os dados confirmam que o frio mata” e, em Portugal, morrem mais 36% de pessoas por semana no inverno, face a mais 13% na Finlândia, por exemplo. Por outro lado, por cada inverno que seja 1º C mais frio que o normal, morrem mais 1,2% pessoas, o que é potencialmente exacerbado quando os custos de energia sobem.

IN "O JORNAL ECONÓMICO" - 02/11/22

* Economista da IMF - Informação de Mercados Financeiros.

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